“O TIO é o resultado de uma transformação sem precedentes”

O Teatro Independente de Oeiras (TIO) assinalou, em Abril passado, o seu 32.º aniversário. Dois meses volvidos, em Junho, a companhia realizou, finalmente, a prometida Gala dos 30 Anos de existência no seu auditório no Edifício Parque Oceano, junto à Avenida Marginal. Um evento que teve de ser adiado durante dois anos devido às restrições impostas pela pandemia COVID-19. A promessa cumprida serviu também como oportunidade para o TIO prestar homenagem a 30 personalidades e entidades ligadas ao percurso da companhia fundada em 1990.

Na página do TIO disponibilizada online (https://www.teatrodeoeiras.com), o director da companhia, Carlos d’Almeida Ribeiro, escreve a propósito do que define como “32 anos de caminhada pelos percursos difíceis da Cultura e Arte”: “Chego aqui com o sentimento de dever cumprido, mas com a consciência e vontade de fazer muito mais. Sinto que tudo o que foi feito até hoje é pouco quando comparado com o patamar onde nos posicionámos por mérito de todos os que contribuíram para este lugar no pódio”.

Refere ainda o também actor e produtor executivo: “Sinto que atingimos uma maioridade de excelência concorrendo com as estruturas artísticas de maior prestígio e de produção deste País tão pequeno, mas tão grande pela garra das suas gentes, dos seus artistas. Vale a pena sermos gratos. Nunca é demais sermos humildes”. O Correio da Linha esteve à conversa com o director do TIO, para quem a companhia “é o resultado de uma transformação ímpar e sem precedentes. Feito por pessoas e para pessoas”.

Foto: Paulo Rodrigues

Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – O que significa para si o 32.º aniversário do TIO?

Carlos Ribeiro (CR) – É o culminar de três décadas de trabalho intenso, e sobretudo, o espelho de um esforço sem igual do que foi o nosso trabalho no período especial de 2016 a 2021. Este ciclo intermédio, de seis anos, foi, por um lado, o fechar de um ciclo e o abrir de outro. Foram seis anos a semear e plantar. Foi o tudo ou nada. Foi a preparação para o grande ciclo de transformação que se abre agora, a partir de 2022.

Sem ser saudosista nem agarrado ao passado, devo admitir que o passado, vivido tal qual aconteceu, foi o pronúncio de um sabor a vitória, a sucesso. Graças a esse passado, que se foi transformando a cada dia num presente sólido e capaz, olhamos o futuro com a certeza de que já o estamos a fazer. Estes 32 anos do TIO, significam uma vivência e experiência de vida ímpares que me deram a mim, e a muitos dos que constroem o TIO, momentos únicos que preenchem uma vida num instante.

CL – Quais têm sido as maiores dificuldades enfrentadas pelo TIO para levar em frente o seu projecto?

CR – Algumas desigualdades. Alguns olhares menos atentos. Alguns grãos de areia que emperram o bom funcionamento das entidades. O peso pesado das estruturas que não conseguem fazer com que muitas pessoas sejam felizes com o que fazem e sejam dignamente retribuídas pelo seu desempenho. E pessoas desinteressadas, desmotivadas e cansadas pelo peso pesado dos tramites em cima de tramites, não são boas para o que precisa de ser feito.

Apesar de o projecto TIO ter alcançado, recentemente, uma visibilidade e notoriedade assinaláveis e importantes e para isso terem contribuído factores externos, designadamente os decisores autárquicos, há ainda ‘tempestades celestiais’ com que temos que lidar. Faz parte, infelizmente.

Com o Papa Bento XVI, em Dezembro de 2012

CL – Quais os momentos mais marcantes para si ao longo do percurso já efectuado?

CR – A ida ao Vaticano para ser recebido, em audiência privada, pelo Papa Bento XVI a 1 de Dezembro de 2012 em representação dos actores de Portugal. Entre esses momentos, destaco o facto de ter privado com gente muito interessante, intelectualmente muito evoluída, o que se traduz numa bênção para a mente, para o espírito crítico e para a evolução humana e espiritual. Incluo aqui, naturalmente, os meus mestres. Destaco também o facto de ter feito amigos para a vida. E ainda o facto de ter lidado com pessoas que me ensinaram a não lidar como elas, sem saber que o estavam a fazer, claro.  Mas também não me esqueço de ter podido receber tantos e tantos elogios, tantos aplausos e críticas boas, ter proporcionado trabalho a tantos artistas, técnicos e staff de Teatro.

Destaque ainda o facto de ter conhecido uma das pessoas mais importantes neste percurso: Isaltino Morais. E não posso deixar de enunciar um momento extraordinariamente importante, imprescindível, que marca toda a diferença no percurso de qualquer pessoa, entidade ou instituição, que foi o dia em que nos foi entregue a possibilidade, tornada realidade, de ter uma casa. Esse momento abriu as portas para um futuro diferente. Passados cinco anos, a promessa tornou-se realidade e o sonho deixou de comandar vida.  Mas ainda sonhamos. O Homem sonha sempre, mesmo que acorde com um pesadelo

CL – Qual foi o trabalho que mais gostou de realizar no TIO?

CR – Todos são especiais e únicos. Lembro-me, como é óbvio, de alguns por particularidades circunstanciais. Isso é quase como perguntar a um filho se gosta mais do pai ou da mãe. Não é a mesma coisa, mas é quase. É muito difícil escolher um. Ainda por cima já são tantos. E também há a questão de termos que contextualizar, temporalmente, cada um dos trabalhos. Há uns que têm um sabor muito especial porque as condições eram complicadíssimas. Outros porque trabalhei com fulano A ou B. Outros ainda por uma sequência de felizes acontecimentos que tornaram o projecto mais especial. Enfim, há um indeterminado número de factores que diferenciam os projectos e que nos marcam de modo diferente.

De facto, não há um trabalho especial. Há vários, dos quais posso destacar: ‘A Gaiola das Malucas’, ‘O Meu Caso’, ‘Os Maias’, ‘Os Cómicos Vêm Aí’, ‘Aqui Há Fantasmas’, a saga dos ‘H2M1’, ‘Uma Nora Ideal’, ‘No Reino da Felicidade’, ‘M – o Musical’ e ‘Sexo, sim. Obrigado!’, na certeza de que me esqueço de muitos outros.

Foto: Paulo Rodrigues

“EM MOMENTO ALGUM PENSEI ESTAR ONDE ESTOU AGORA”

CL – Como vê o futuro da companhia?

CR – Há uns dias, perguntaram-me: Em algum momento da tua carreira tiveste noção que estarias onde estás agora, ou sentes que a tua idealização do futuro e a tua realidade são distintas? Fenomenal pergunta, nada fácil. É natural que ambicionemos carreiras de sucesso e que se façam planos de uma ambição desmedida, próprios da idade de quem pensa que todos os objectivos são alcançáveis. Sempre acreditei e trabalhei na perspectiva de que os dias seguintes fossem melhores. Muitos anos e muita gente me ouviu dizer: “Os dias azuis chegarão”. E chegaram. Agora, tudo depende de quantos tons tem a paleta de azuis…!

É verdade que em momento algum pensei estar onde estou agora. Contudo, a minha carreira e o meu projecto foram sempre tão intensamente vividos, tão estruturados, que era quase inevitável saber o próximo passo, saber quando estaríamos num próximo patamar. Por isso, a idealização do futuro andou quase sempre de mãos dadas com a realidade dos factos. E creio que continuará a ser assim, pese embora o facto de achar que só agora o futuro está a começar dentro do TIO. Ou seja, o ano de 2021 marca uma transformação de excelência e o desenho do futuro foi traçado com a certeza de que o futuro começou este ano (2022), será imparável, transversal, transfronteiriço e de proximidade com as comunidades artísticas e de público. Só quem não tiver visão estratégica, não aproveitará o que temos para dar, porque as provas, essas, já foram dadas.

O futuro está construído para ir sendo ‘oferecido’ aos consumidores numa perspectiva de mais-valia intelectual, artística e cultural. Só dependerá de quem tiver os outros meios para tornar tudo possível. E estou convicto que poderemos contar com essa visão estratégica.

CL – O Teatro está de boa saúde em Portugal?

CR – Está, graças aos agentes e às suas gentes. E também à pedra que se foi partindo ao longo de muitas décadas, na luta da classe por condições e programas de apoio. Talvez estejamos a viver o melhor período de todos os tempos em relação aos vários programas de apoio. Há hoje em Portugal uma maior sensibilidade dos decisores a par de programas que têm vindo a ser burilados e aperfeiçoados. O próprio estatuto do trabalhador das artes, aprovado há pouco mais de um ano, também contribuiu para uma melhor saúde do Teatro no nosso País.

Da parte dos agentes culturais e das estruturas artísticas, tem também vindo a verificar-se uma maior preocupação em dar aos públicos produtos diferenciados, que trazem mais-valia cultural e ao mesmo tempo dá-lhes também aquilo que procuram. Aliás, saber para quem trabalhamos é fundamental para o sucesso de corrente de público. Conhecermos os públicos e irmos ao encontro das suas expectativas, é realmente importante. Não devemos dar apenas aquilo que nos preenche pessoalmente. Não devemos trabalhar para o nosso umbigo. E os programadores, perceberam finalmente isso. Perceberam que, afinal de contas, a comédia é um trunfo, é a rainha do povo, o rei dos géneros teatrais. E o resultado são salas cheias por esse País fora.  Ou seja, o Teatro está a viver uma fase óptima, tanto mais que a pandemia, que numa primeira fase estrangulou o Teatro, teve esse efeito de, pela mão da avidez, levar gente a procurar espectáculos. Queiramos todos aproveitar isso e contribuirmos para não afastar o público das salas.

CL – Como é que tem sido conciliar as várias funções que desempenha dentro da companhia?

CR – Adoro dirigir pessoas, levá-las a fazer aquilo que idealizo para uma personagem no contexto da concepção artística. Adoro dirigir o espectáculo como um todo. É desafiante e altamente empolgante. Adoro representar. Estar em cima de um palco é uma experiência quase transcendental, magnânima, que só os que pisam um palco podem compreender. Deslumbra-me o trabalho de produtor executivo. Fascinam-me as tarefas de director da Companhia. E é empolgante o trabalho da criação artística no campo da cenografia.

Sou grato por poder desempenhar estas cinco funções em mais de 70 produções, ao longo de 32 anos. Dá-nos, por um lado, uma bagagem colossal e, por outro, um gozo enorme, e simultaneamente a noção de que estamos por dentro de tudo. Nada nos escapa. Ao fim ao cabo, são funções que se diluem umas nas outras, ou seja, vivem intrínsecas e praticamente inseparáveis. Não é fácil tocar vários instrumentos, mas tem as suas vantagens.

Se tivesse que escolher só mesmo uma destas funções, acho que nesse dia perdia uma parte de mim e nesse caso prescindia de pisar o palco como actor. Os espectáculos mais belos, são sempre pela mão de quem os idealizou, de quem os dirigiu. É verdade que quem recebe os aplausos, são, em 99% das vezes, os actores, mas o prestígio de idealizar um espectáculo brilhante e fenomenal é inteiramente do seu criador e director/encenador.

CL – Quais os espectáculos actualmente levados à cena pelo TIO?

CR – Este ano fica marcado como o que mais produções subiram e subirão ao palco, sem que mais signifique menos. Antes pelo contrário. Mostra a nossa pujança e capacidade de gestão e produção inigualáveis em Oeiras, sendo um exemplo, inclusive, transfronteiriço. Temos os genes de Oeiras, onde se registam os melhores índices de tudo e mais alguma coisa. Tivemos com quem aprender e aprendemos bem. O professor também era bom. Era e é, aliás!

Ao todo são 10 produções, muitas delas em simultâneo, e por vários meses.No Reino da Felicidade’, ‘Bá-Bum’, ‘Aqui Há Fantasmas’, ‘Diário de Pilar’, ‘Antivírus’, ‘A Tortura de Escolher’,  ‘A Fada dos Dentes’, ‘Doutor Finanças e a Bata Mágica’, ‘A Casinha de Chocolate’ e  ‘Os Miaus’. Mais a ‘Gala dos 30 anos + 2’, quatro tertúlias, duas exposições e dois concertos.

“OS FALSOS INTELECTUAIS SÓ CONSEGUEM OLHAR PARA SI MESMOS”

CL – No seguimento do êxito alcançado pelas peças anteriores, está previsto mais algum episódio de ‘H2M1’?

CR – A saga ‘H2M1’, com a primeira exibição em 2011, contou com várias temporadas de todas as quatro partes até ao final de 2021 e terá a sua última parte – a quinta – prevista para Abril e Maio de 2023. Sem dúvida, o maior êxito do TIO. O maior sucesso de bilheteira que tem arrastado dezenas de milhares de pessoas até à nossa sala. De realçar a mestria do seu autor, que consegue a proeza de fazer com que cada nova parte supere a anterior, o que significa que tem vindo sempre a ser num crescendo de valor artístico, de humor e de muita reflexão.

Nunca é demais lembrar o facto de ‘H2M1 – A Alzheimer é Lixada! (parte 4) ter a capacidade de colocar, sessão após sessão, uma plateia inteira a chorar, depois de duas horas hilariantes. Comédia é também isto, transformação, mexer com os nossos sentimentos, abalar-nos e sacudir-nos, fazer-nos reflectir e contribuir para uma massa critica de maior valor. Só os brutos, os estagnados mentalmente e no tempo, olham para a comédia como um género teatral menor. Os falsos intelectuais ou os intelectuais de falsos neurónios só conseguem olhar para si mesmos e o que vêem, duvido que gostem. Porque quem tem a veleidade de anular a comédia, os seus brilhantes autores e centenas de inigualáveis actores e actrizes, deve pensar que toda esta gente não passou de artistas menores, gente oca e vazia. O único género teatral que é terapêutico é a comédia. Diz o povo e com muita sapiência: rir faz bem ao fígado. E lembro que é mais difícil arrancar uma gargalhada do que fazer chorar.

CL – Projectos futuros em carteira para realizar com o TIO?

CR – Muitos. Temos à data de hoje os anos de 2023 e 2024 programados e completamente cheios. Haverá, eventualmente, uma ou duas janelas de oportunidade para podermos encaixar um ou outro projecto que consideremos de relevância artística. Estamos a falar de 10 ou 15 dias em dois anos. Isto significa que a programação está pensada, planeada e fechada.  Teatro, Música, Bailado, espectáculos com cruzamentos disciplinares, acolhimentos internacionais e co-produções estrangeiras e nacionais.

O facto de pertencermos, desde 2021, à Rede de Teatro e Cine-Teatros Portugueses, programa da Direcção-Geral das Artes, redobra a nossa responsabilidade enquanto programadores e artistas e lança-nos novos desafios no que diz respeito àquilo porque tanto tenho lutado: a mobilidade dos espectáculos numa efectiva rede de intercâmbio em genuína reciprocidade. Enunciaria três projectos: ‘Caim’, ‘Os Maias’ e o ‘FitComedy’.

E citaria talvez o mais importante, dada a sua magnitude: o ‘FitComedy’. É uma iniciativa de grande envergadura, que consiste em criar um Festival Internacional de Teatro de Comédia em Oeiras de Língua Portuguesa envolvendo a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assente na inclusão, troca de experiências e culturas e na mostra do que, em língua Portuguesa, se vai fazendo através da Diáspora, ou simplesmente pelos nativos de países de expressão oficial portuguesa.

O festival receberá até 21 produções estrangeiras e traduzir-se-á num cartão de visita de excelência e ponto de encontro entre culturas, cujas quatro missões são: proporcionar fruição de propostas artísticas de grupos e companhias de outros países; contribuir para a diversidade e qualidade da oferta artística; fomentar uma troca de experiências e promover residências artísticas e promover o concelho de Oeiras, colocando-o nos roteiros de eventos internacionais.

Este é um projecto que está para decisão superior na Câmara Municipal de Oeiras. Foi apresentado, há já uns meses, ao Sr. Director Municipal da Cultura, Dr. Jorge Barreto Xavier, que tem a missão de o levar a sua Exa o Presidente da Autarquia, Dr. Isaltino Morais. Estou em crer que o Município não quererá desperdiçar uma oportunidade destas, tanto mais que será um projecto que estará ao nível da Oeiras 27. É só contarem connosco!

Autor: Luís Curado

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