Tony Muchaxo: “O único partido a que eu pertenço é o do Turismo”

A Estalagem Muchaxo Hotel é um ícone, uma referência incontornável na paisagem privilegiada da praia do Guincho, enquadrada pelo mar e pela serra. Quando analisamos o desenvolvimento do Turismo na Costa do Estoril é impossível esquecer o empreendimento gerido ao longo de décadas, durante uma vida inteira, por António Carlos Pedroso Muchaxo, nascido a 21 de Fevereiro de 1930, a quem os amigos se habituaram a chamar Tony Muchaxo. O estabelecimento inaugurado pelo seu pai no final da segunda Guerra Mundial, na altura apelidado de ‘A Barraca’, acabou por tornar-se num ponto de referência e excelência para milhares de clientes, entre os quais figuram inúmeros membros da realeza europeia, chefes de Estado, personalidades do mundo das Artes e tantas outras figuras ilustres da sociedade. Ao longo dos anos, o nome Muchaxo afirmou-se como um embaixador do Turismo nacional, atraindo os olhares do Mundo para o concelho de Cascais e, particularmente, para o paradisíaco areal do Guincho, que cativou a atenção de surfistas nacionais e estrangeiros, amantes de mar, vento e ondas.

Desde que abriu portas em Maio de 1945, ‘A Barraca’, um simples barracão de madeira com cobertura de lusalite, depressa conquistou fama junto dos ilustres de Cascais, que ali desfrutavam de pratos de marisco e peixe fresco de qualidade provenientes da praia ali ao lado. Um dos primeiros clientes habituais foi o Rei de Espanha Dom Juan Carlos, que na altura se encontrava exilado em Portugal. Propriedade da firma Muchaxo & Filhos, Lda., criada em Setembro de 1944, a pequena tasca inicial acabou por ser transformada num novo imóvel, moderno, de maiores dimensões, construído sobre as fundações de um antigo forte do século XVII adquirido pelo pai de Tony Muchaxo. Nascia assim o Restaurante Muchaxo, que, após novas ampliações, se converteu no Restaurante-Estalagem Muchaxo, com 63 quartos. As janelas amplas, panorâmicas, do estabelecimento, rasgadas para deixar entrar a paisagem, permitem ainda hoje admirar uma das mais belas vistas do País. Uma recordação inesquecível para quem visita o local e o publicita, mais tarde, entre amigos, além-fronteiras.

Sempre apostado em renovar o seu projecto de uma vida, Tony Muchaxo voltou a ampliar o edifício durante os anos 1990, com a criação de uma nova ala, mais moderna. Em função destes melhoramentos, o Restaurante-Estalagem Muchaxo mudou de nome, em 2011, para Estalagem Muchaxo Hotel, à qual foi atribuída a categoria de quatro estrelas. Todos estes melhoramentos e acrescentos foram feitos mantendo a propriedade na empresa Muchaxo & Filhos, Lda, que ainda hoje está na posse da família. Com 93 anos festejados recentemente, o proprietário do empreendimento turístico continua a coleccionar amigos em todo o Mundo, mantendo uma forma de estar diferenciada, patente nas fotografias com inúmeras personalidades nacionais e internacionais expostas na entrada, montras e balcões da Estalagem/Hotel que tem marcado a história do Turismo no Guincho. O Muchaxo mantém-se presente no imaginário e memória daqueles que já tiveram o privilégio de o visitar e têm a praia do Guincho como um dos seus locais de eleição.

Foto: Paulo Rodrigues

O jornal ‘O Correio da Linha’ esteve à conversa com Tony Muchaxo, com quem falámos sobre o passado e o futuro de uma unidade turística criada há quase 80 anos pela sua família numa praia que se tornou icónica para o Turismo, cujas fotografias têm corrido Mundo, divulgadas por todos aqueles que foram conquistados por uma paisagem única, de cortar a respiração, que junta no mesmo enquadramento mar, montanha e céu, com um areal onde é fácil perder os passos, onde a memória prevalece e onde é sempre um prazer regressar. Quem visita a praia do Guincho dificilmente perde o desejo de ali regressar para reviver uma experiência marcante e diferenciadora, em que a Natureza impressiona com toda a pujança da sua plenitude. O areal em relação ao qual, um dia, um jornalista da revista ‘Life’ vaticinou um terrível epitáfio, referindo-se a “uma praia sem futuro”, por não ter estrada e ali soprarem “uns ventos terríveis”, cujas “condições geográficas impediriam qualquer desenvolvimento”, afinal ganhou fama, resiste inalterada e conserva os encantos de sempre. Garante quem melhor a conhece.

“VIVÍAMOS NA CASA DA FAMÍLIA CHAMPALIMAUD”

Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – Qual é a sua primeira memória da praia do Guincho?

António Muchaxo (AM) – A primeira memória que tenho do Guincho remonta aos meus 5/6 anos. Vínhamos para a praia em família e trazíamos uma panela com tomate e cebola e mais o pão. Tomávamos banho às 8h30/9h00 da manhã, estávamos na praia até às 11h00 e depois íamos para o pinhal. Fazíamos uma açorda, almoçávamos e ficávamos a dormir deitados numa mantazinha. Depois, mais tarde, à tardinha, regressávamos a casa.

CL – Onde é que a sua família vivia?

AM – Na altura, vivíamos na casa do Sr. Carlos Montez Champalimaud (1877-1937), médico-cirurgião e empresário, pai de António de Sommer Champalimaud (1918-2004), na Quinta da Marinha, onde o meu avô e o meu pai trabalhavam. O Conde de Moser (1894-1968), que era dono da Quinta da Marinha, após a mudança da Monarquia para a República em 1910, decidiu vender a propriedade na década de 1920. Eu vivi na Quinta da Marinha até 1937/1938. Nessa altura, a família Champalimaud disse que já não precisava dos serviços do meu avô nem do meu pai. Portanto, saímos de lá e fomos viver para a Aldeia de Juso, em Cascais.

CL – Os primeiros anos de escola foram vividos aqui na região?

AM – Iniciei os meus estudos no Monte Estoril. Fui com o meu irmão para o Colégio Bairro Escolar, considerado um dos melhores colégios do País, fundado pelo pai de Mário Soares (1924-2017), João Lopes Soares (1878-1970), juntamente com João de Deus Ramos (1878-1953), Américo Limpo de Negrão Buisel (1898-1943) e José Dias Valente (1902-1977). Mais tarde, zangaram-se todos. João Lopes Soares acabou por fundar, em 1936, o Colégio Moderno, em Lisboa. E José de Deus Ramos transformou o Bairro Escolar no Colégio de João de Deus, onde acabei por fazer o sexto e o sétimo anos.

Foto: Paulo Rodrigues

CL – A sua vida de trabalho foi passada toda aqui no Guincho, no Muchaxo?

AM – Não. Quando ainda estava a estudar, o meu pai deu-me uma frutaria no Tamariz. Todos os dias, de manhã, eu ia comprar fruta ao mercado de São João do Estoril para fazer sumos. Fazia sumos de uva, sumos de cenoura, fazia todos os sumos possíveis e imaginários. As senhoras que iam para a praia no Tamariz iam todas tomar o seu sumo de cenoura à minha frutaria. Os sumos eram feitos com uma máquina que eu comprei a uma pessoa ligada à embaixada dos Estados Unidos da América. Tive essa frutaria até ir para a Universidade. Depois, a partir daí, já não tinha tempo para ir ao mercado comprar as frutas para os sumos.

CL – Essa experiência, por conta própria, terminou aí?

AM – Não. Nessa altura, transformei a frutaria numa loja para vender fatos-de-banho, roupas de praia e cremes. Tinha um creme especial para ajudar a bronzear que as senhoras compravam muito. Ficavam todas morenas. Costumavam ir muito para o Tamariz, lembro-me de ver a cantora Juliette Gréco (1927-2020) e outras celebridades. A verdade é que não ganhei grande dinheiro com a frutaria, mas ganhei com os biquínis e com umas calças à pirata. Cheguei a vender umas 30 por dia, eram feitas cá em Portugal.

CL – Qual foi o curso que frequentou na Universidade?

AM – Estudei Economia no Instituto Superior de Economia e Finanças. Entretanto, meti-me no Xadrez, pensava mais no Xadrez do que em tudo o resto. Consegui empatar com o Joaquim Durão (1930-2015), que era o campeão português. Depois, fui para a tropa, em 1954. Estive em Mafra e no Porto. Ainda quiseram que eu seguisse a carreira militar, mas preferi vir ajudar o meu pai.

CL – Entretanto, o seu pai decidiu abrir um restaurante junto à praia do Guincho, dentro do Parque Natural Sintra-Cascais.

AM – O meu pai resolveu abrir o restaurante, porque já estava a pagar o imposto sobre a praia nessa altura, a concessão. Em 1945, começou a construir um barracão que ficou conhecido como ‘A Barraca’, feito em lusalite, que abriu portas em Maio desse mesmo ano. Não tinha água, nem luz e não havia estrada, era tudo areia. Eu vinha ajudar ao fim-de-semana.

“FALEI COM TODAS AS FIGURAS DA REALEZA”

CL – Tratou-se de uma aposta bastante corajosa…

AM – Tivemos a sorte de muitas figuras da realeza e personalidades influentes da Europa terem vindo viver para a zona de Cascais/Estoril/Sintra. A realeza não ficava no Estoril, porque o Estoril tinha muita gente, por isso ‘fugiam’ para o Guincho porque, na altura, era pouco acessível e ficava longe para a maioria. Conheci e falei com todas essas figuras da realeza. Foram tantas as personalidades e celebridades que passaram pelo Muchaxo. Por exemplo, o actual rei emérito de Espanha, Dom Juan Carlos, de quem sou amigo, fez o pedido de casamento à rainha Dona Sofia no nosso restaurante. Também a boda do casamento do Presidente António Ramalho Eanes com a Dra Maria Manuela Eanes foi aqui realizada.

Foto: Paulo Rodrigues

CL – O que costuma pedir Dom Juan Carlos para comer quando vem ao Muchaxo?

AM – Amêijoas, lagosta, outros mariscos e peixe.

CL – Referiu que, no início, não dispunham de água corrente…

AM – O primeiro acordo para termos água corrente, que vinha de uma nascente de água doce existente na Areia, só ocorreu anos depois de termos aberto ‘A Barraca’. Essa água era filtrada pela areia e era óptima. Nos anos 1950, a Câmara Municipal de Cascais meteu-nos uma ligação até aqui para termos água corrente. Depois veio a electricidade. Seguiu-se todo um desenvolvimento trazido pela abertura do Hotel do Guincho, aqui ao lado, inaugurado em 1959. Foram instaladas redes de abastecimento de água e de electricidade e construída a estrada, que até aí não existia. As pessoas tinham de deixar os carros antes de aqui chegarem e vinham pela areia. Na altura, já servíamos jantares eu tinha uma grafonola, fazia de disc-jockey. O meu trabalho era pôr os discos. Aos fins-de-semana, à tarde, as pessoas vinham até aqui para dançar. Era uma espécie de clube Muchaxo.

CL – O projecto Muchaxo teve várias fases de desenvolvimento…

AM – O Restaurante Muchaxo foi ampliado e tornou-se no Restaurante-Estalagem Muchaxo, com janelas panorâmicas, que contava com 63 quartos, construído sobre uma fortaleza do século XVII (Bataria da Galé) que o meu pai comprou. Começámos as obras e diziam que o meu pai era louco, por causa do tamanho do empreendimento. Consultámos vários arquitectos até que apareceu um que nos apresentou uma ideia para o projecto que nos agradou. Disse-nos: “O melhor que vocês têm aqui foi o que Deus vos deu, que é esta vista. Não há nada que substitua o que Deus vos deu, de forma que temos que o manter, valorizar”. E assim fizemos. Desde a porta da entrada, em todas as zonas da Estalagem/Hotel, vê-se o mar e esta vista panorâmica magnífica. O Forte tinha só a muralha e os muros, que nós mantivemos, integrados no estabelecimento. Abrimos isto aqui no dia 25 de Abril de 1964. Foi inaugurado pelo Presidente da República da altura, Américo Tomás (1894-1987).

CL – Contudo, as obras não ficaram por aí…

AM – No início dos anos 1990, o edifício foi ampliado, tendo sido acrescentada uma parte nova, mais modernizada. E em Dezembro de 2011, após nova requalificação, o Restaurante-Estalagem Muchaxo passou a designar-se Estalagem Muchaxo Hotel, tendo-lhe sido atribuída a categoria de quatro estrelas. Actualmente, a empresa Muchaxo & Filhos, Lda. gere também as concessões do Restaurante Casa de Chá Oitavos, nos Oitavos, na Quinta da Marinha, e do Restaurante O Abano, na praia do Abano, junto à praia do Guincho.

CL – Como se consegue manter a concessão de uma praia como o Guincho durante todos estes anos?

AM – Trabalhando, tentando fazer sempre o melhor.

CL – Actualmente, a praia do Guincho é bastante conhecida pela prática dos Desportos de Mar.

AM – Antigamente, havia quem se queixasse de que fazia muito vento, que era uma praia demasiado ventosa. Na verdade, o vento preservou o Guincho. Agora, o vento fez com que aumentassem os Desportos de Mar, como o Surf, o Windsurf e o Kitesurf. O que era mau na altura, tornou-se agora num benefício.

CL – Quando é que se deu essa mudança?

AM – Foi nos anos 1970 que tudo começou. Apareceram aí seis rapazes ingleses vindos da Austrália com pranchas de surf longboard. Andaram aí na paródia em Cascais, que nessa altura tinha muitos divertimentos para a juventude, gastaram tudo o que tinham e ficaram sem dinheiro para voltar para casa. Vieram ter com o meu pai e comigo e nós acabámos por comprar-lhes as pranchas. Foram as primeiras pranchas de Surf a serem utilizadas para fazer salvamentos no mar aqui no Guincho. Na altura, fomos ter com um jovem que por aí andava e propusemos-lhe ser nadador-salvador. Foi ele o primeiro nadador-salvador a usar uma prancha de Surf. Salvou imensas pessoas, até chegou a ser convidado para ir à Holanda por ter salvo um holandês. E foi também ele o primeiro a abrir uma escola de Surf no Guincho. Mais tarde, também comprámos uma moto de água para ajudar nos salvamentos.

Foto: Paulo Rodrigues

“A VIDA DE HOTELARIA É COMPLICADA, MAS ENRIQUECEDORA”

CL – Ao longo de toda uma vida ligado ao Turismo, o que recorda com maior prazer?

AM – O maior prazer que obtive com esta actividade é poder correr o Mundo e em qualquer sítio onde vou conhecer pessoas que passaram por aqui. Isso é uma riqueza. Em qualquer sítio onde eu vá há sempre alguém que já esteve no Muchaxo. Para mim, isso é sinal de obra feita. A vida de hotelaria é complicada, mas também é enriquecedora, pois fazem-se muitos amigos. Eu, felizmente, desde os 16/17 anos, estava sempre nas embaixadas. Desde novo, conheci todos os embaixadores colocados em Portugal. Tínhamos uma florista nas arcadas do Parque do Estoril e nós é que íamos decorar o Casino, os hotéis, as grandes casas da Costa do Sol e preparar as recepções do Corpo Diplomático e do Governo. Conheci imensas figuras da realeza, artistas, grandes empresários, políticos e personalidades nacionais e internacionais. Passaram por aqui grandes personalidades, como Lima Duarte, Fafá de Belém, Agatha Christie (1890-1976), Walt Disney (1901-1966), Margot Fonteyn (1919-1991), Manoel de Oliveira (1908-2015), Ruy de Carvalho e tantos outros.

CL – Como vê o Guincho de hoje em dia? Qual a grande diferença para o Guincho da sua infância?

AM – A minha luta tem sido sempre pelo Turismo, porque acho que é o melhor que há para a zona. Hoje em dia, um dos problemas sentidos no Guincho é que os transportes tornaram a zona mais acessível. Antigamente, o Guincho ficava muito longe. Agora, chegam aqui muitos autocarros. Chegaram a ter um projecto para trazer o comboio de Cascais até ao Guincho. Felizmente, não o fizeram, porque as facilidades muitas vezes também estragam. Acarretam igualmente um lado negativo. Há também uma tentativa de abrir a A5 até à Areia. Se isso acontecer, então ainda vai ficar pior, acabam com a praia. Na minha opinião, não há razão para isso. Eu defendo que, para preservar o Guincho, a sua natureza, é preciso mantê-lo longe.

CL – Quais os principais problemas que identifica nesta zona?

AM – Há coisas que devem ser tratadas. Por exemplo, o facto de haver muito turismo selvagem, que deve ser controlado, impedido. Há praticantes de Surf que viajam nas suas próprias carrinhas, que mantêm estacionadas demasiado tempo nos mesmos locais. No estrangeiro, essas carrinhas não podem estar paradas no mesmo local por longos períodos e os estacionamentos abusivos são controlados pela Polícia. Aqui, isso ainda não está a ser devidamente controlado e ocorrem abusos. Além do mais, economicamente, isto não traz qualquer benefício. Estas pessoas dispõem da possibilidade de recorrer ao parque de campismo, mas não vão para lá, apesar de ali disporem de espaços adequados para estacionarem. Chegam a estar parados junto às praias, no mesmo local, vários dias e mesmo semanas. Falta disciplinar este tipo de situações. Vamos a Cascais e se deixamos o carro durante 5 minutos para tratar de alguma coisa rápida, levamos logo uma multa. Aqui, estas pessoas estacionam os veículos durante dias seguidos no mesmo local e não lhes acontece nada.

Foto: Paulo Rodrigues

CL – Há quem refira que é complicado estacionar junto ao Muchaxo…

AM – O estacionamento no Guincho está um caos. Cheguei a construir aqui um parque de estacionamento. Ficou impecável, mas pouco depois mandaram encher tudo de areia. Agora, cada vez é mais complicado estacionar. Quando há bom tempo, os carros acumulam-se por aí fora à beira da estrada, em cima da areia. Depois, os clientes não têm onde estacionar. É um problema. Tenho falado com toda a gente e ninguém resolve nada. Eu não peço nada às autoridades. Só apelo para que haja boa colaboração para o País poder avançar. É só isso que eu quero, a compreensão das entidades oficiais para continuar com o bom trabalho, que dêem a cara e digam o que é que se faz. Agora, parece que é tudo segredo. O que é que se passa? Ninguém diz nada. A estrada para a praia do Abano também está uma desgraça, cheia de buracos. Ninguém trata da sua reparação. Depois, quando tentamos falar com alguém sobre os problemas, ninguém dá a cara, não lhes podemos explicar o que se passa.

CL – Qual a maior diferença em relação ao passado que encontra no Turismo de Cascais?

AM – Acho que há pouca diversidade. Antigamente, havia imensos clubes onde as pessoas podiam dançar. Hoje em dia, não há sítios onde se possa dançar. Cascais tinha mais diversidade antigamente, tinha mais divertimento para a juventude. Hoje em dia, os turistas têm de ir para Lisboa para se divertirem. Quase tudo o que havia antigamente, acabou, fechou portas. O Forte Velho, o Coconuts, o Palm Beach e outros locais de diversão… O turista não quer só praia e museus. Recentemente, recebi aqui uns amigos norte-americanos e tive de os levar a uma festa num hotel em Belém para que pudessem dançar. Ficaram todos contentes.

CL – Qual foi a personalidade mais exigente, mais difícil, que passou pelo Muchaxo?

AM – Normalmente, são os que não têm dinheiro. São esses os mais complicados. Tive aqui o Willy Brandt (1913-1992), o Olof Palme (1927-1986) e muitos outros grandes políticos e membros das realezas, tudo pessoas impecáveis. Agora, os novos-ricos, esses é que são os mais complicados.

Foto: Paulo Rodrigues

UMA HISTÓRIA ENGRAÇADA 

CL – Pode contar-nos alguma história engraçada sobre um cliente?

AM – Uma vez, entrou aqui um senhor brasileiro, ainda no tempo do antigamente, que perguntou: “Come-se bem aqui? Tem caldo verde? E pescada cozida?” Respondi que sim. “Arranje isso aí para oito pessoas”, pediu. Aquilo era o mais barato que eu tinha na ementa. Fui à cozinha dar a ordem e disse ao cozinheiro: Estão ali uns brasileiros que não têm dinheiro e querem comer bem. Voltei à sala e o cliente quis saber: “Ó moço, tem aí alguma coisa para beber?” Respondi que sim, claro. “Tem Dom Pérignon?” “Tenho”, confirmei, surpreendido. “Então, mande refrescar aí duas garrafas”. Voltei à cozinha e avisei o cozinheiro: “Ó pá, arranja aí as melhores pescadas que temos”. Era André Matarazzo (1919-1964), um importante empresário descendente do multimilionário Conde Francesco Matarazzo (1854-1937). Durante a sua estada no Estoril, veio cá comer todos os dias. Tinha vindo acompanhar a mulher, a cantora brasileira Maysa Matarazzo (1936-1977), que veio cantar ao Casino Estoril.

CL – Qual é o prato mais popular do restaurante?

AM – O prato mais conhecido é a ‘Lagosta à Barraca’. Foi criado por duas senhoras, a Luísa e a Josefa, que trabalharam no restaurante inicial. Antes, tinham trabalhado para a embaixada da Alemanha, até ao final da II Grande Guerra. Elas é que começaram com a ‘Lagosta à Barraca’, que continua a ser o nosso prato mais popular. Já me perguntaram o segredo da nossa lagosta ser tão gostosa. É simples: é cozida com água do mar aqui do Guincho. O ‘Arroz de Marisco’ também é um prato muito solicitado.

CL – A oferta gastronómica tem vindo a diversificar-se. O que pensa disso?

AM – Um dia, veio aqui um casal canadiano, de Vancouver. Disseram-me que já tinham corrido Portugal inteiro e que pretendiam voltar. Perguntei-lhes do que tinham gostado mais e eles confidenciaram-me que queriam voltar por causa das nossas sopas, que achavam deliciosas e muito diversificadas. Foi isso que os cativou, algo que não tinham encontrado em outros países. Na verdade, a diversidade da nossa gastronomia é espectacular. Agora, está a ir-se para a ‘nouvelle cuisine’. Ora, a ‘nouvelle cuisine’ há em todo o Mundo. Estão a perder-se um pouco as características da nossa boa gastronomia, caraterizada pelo bom peixe, boa carne, bons doces, bons queijos, bom pão, bons vinhos… As pessoas que nos visitam não vêm à procura da ‘nouvelle cuisine’, mas sim da boa comida que nos diferencia. Não há necessidade de inventar, mas sim preservar.

Foto: Paulo Rodrigues

CL – Como vê o futuro do Muchaxo?

AM – O futuro está entregue ao meu filho, António Manuel Muchaxo, que está agora a comandar. E depois tenho mais dois netos, pelo que espero que as gerações seguintes continuem com aquilo que nós criámos. E espero também que nos deixem continuar a fazer este nosso caminho, de prosseguir um trabalho que não foi fácil, em que chegámos a lutar contra a falta de água e de luz e a enfrentar várias outras dificuldades. Tive sempre o propósito de promover e aumentar o Turismo na região. O único partido a que eu pertenço é o do Turismo, o único que conseguiu promover uma terra desconhecida, o Guincho, como uma das melhores praias da Europa.

CL – O que gostava de ter feito que ainda não conseguiu fazer?

AM – Gostava que Deus me desse mais uns anos para continuar a fazer o que falta, porque na hotelaria faz sempre falta renovar. Isso é sempre importante. Onde está a piscina gostava de fazer um jacuzzi com água do mar aquecida, todo em vidro, panorâmico, com vista para o lado do mar. Fazia ali uma coisa engraçada.

Outra coisa que gostava de ter feito prende-se com uma sugestão apresentada por Francisco Sá Carneiro (1934-1980). Ele costumava vir cá aos fins-de-semana e dizia-me para fazer uma esplanada na parte de fora do restaurante, para poder comer no exterior. Eu argumentava que fazia vento, mas ele insistia sempre para eu seguir a sua sugestão. A porta para o exterior existe, mas acabei por não ter oportunidade de cumprir o pedido antes da sua morte. É mais uma coisa que eu gostava de ter concretizado. Agora, se for pedir para fazer a esplanada, dizem-me logo que não.

Foto: Paulo Rodrigues

PRÉMIOS E HOMENAGENS

Ao longo de uma vida dedicada ao Turismo, Tony Muchaxo recebeu vários prémios e homenagens, sendo considerado um ‘embaixador’ de Portugal no Mundo. Uma dessas homenagens ocorreu em 2019, quando foi distinguido com o Prémio Carreira Xénios, os Prémios Excelência na Hotelaria, atribuídos pela Associação de Directores de Hotéis de Portugal.

O empresário que fez da Estalagem Muchaxo Hotel um ícone do Turismo nacional é também um dos sócios fundadores do Rotary Club Cascais-Estoril, do qual recebeu várias distinções, entre as quais um Diploma de Mérito e Eficiência, em 1997, “por ser um potencial dos valores humanos e morais que regem a sociedade e humildemente os revelar”.

O hoteleiro gosta igualmente de destacar uma menção honrosa atribuída, em 2012, pela Liga dos Bombeiros Portugueses na qualidade de personalidade empresarial apoiante dos bombeiros do concelho cascalense, bem como o emblema de grau prata recebido da Associação Humanitária dos Bombeiros de Cascais, em 1984.

Autor: Luís Curado

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