“O Hipismo é pouco promovido em Portugal”

Desde tempos remotos que o Homem mantém uma relação privilegiada com os cavalos. Podemos comprovar essa proximidade em inúmeras pinturas rupestres deixadas pelos nossos antepassados em grutas que lhes serviam de abrigo, algumas das quais na Península Ibérica. Ao longo da História, o cavalo foi um fiel companheiro do Homem em muitas tarefas, nomeadamente na lavoura, e também como meio de transporte de eleição ao longo dos séculos, até aparecer a máquina a vapor e mais tarde os motores a diesel e gasolina. Mesmo assim, essa relação não foi esquecida, com a potência dos automóveis a ser referenciada em ‘cavalos’.

Animal nobre, o cavalo acabou, naturalmente, por fazer também parte de outras relações com o Homem, fora do âmbito laboral, desde logo nas ocupações de lazer, culturais e no desporto. Seja nas touradas, na equitação ou hipismo, nunca mais dispensámos a companhia de um animal com o qual temos partilhado tantos momentos inesquecíveis, por exemplo na dança a cavalo, nas corridas ou saltos de obstáculos. Entre nós, a Federação Equestre Portuguesa foi fundada em 1927, sendo que Portugal tem participado regularmente nos Jogos Olímpicos, onde conquistou três medalhas de bronze (Paris, 1924 – Berlim, 1932 – Londres, 1948).

Sara Ferreira Pinto, natural e residente em Cascais, é uma apaixonada por cavalos, que têm acompanhado desde sempre a sua vida. Com formação académica na área do Marketing e Publicidade, iniciou o seu currículo equestre, na competição, em 1989. Do palmarés alcançado, destacam-se vários títulos, entre os quais: Campeã da Taça de Portugal Juniores (1992), Melhor Amazona Portuguesa no Ranking Nacional em (1997, 1998, 1999 e 2000), Vencedora do Grande Prémio de Badajoz (1999), Vencedora da Prova de Masters da Quinta da Marinha (2000 e 2002), Vencedora Grande Prémio CSNA Vimeiro (2001), Vencedora Derby Cª das Lezírias (2002).

Em 2011, Sara Ferreira Pinto iniciou-se no ensino de Equitação no Real Clube de Campo Dom Carlos I, situado na localidade da Areia, junto ao Parque de Campismo, na escola que agora lidera, sob o nome de Horses R’Us, onde trabalha e assegura a gestão dos cavalos ali existentes, bem como da equipa que lidera. Seguindo a tradição da família, as suas duas filhas, Vera e Diana, foram campeãs nacionais de iniciados, a primeira em 2019 e a segunda em 2020. Muitos dos alunos da escola participam em competições federadas com óptimos resultados. Tudo bons motivos para falarmos com a amazona que tem tornado tudo isto possível.

Foto: Paulo Rodrigues

“A EQUITAÇÃO NÃO FAZIA PARTE DA TRADIÇÃO FAMILIAR”

Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – Qual o prémio que lhe deu mais prazer conquistar, que recorda com mais emoção?

Sara Ferreira Pinto (SFP) – Foi vencer o meu primeiro Grande Prémio de 1.45m, num concurso onde adorava saltar, no Vimeiro.

CL – Como despertou o seu interesse pela Equitação?

SFP – A Equitação não fazia parte da tradição familiar. Só por volta dos 12 anos é que tive a minha primeira experiência a cavalo, quando fui desafiada por uns primos. Adorei. A partir daí fiz todas as etapas da formação e fui levando este desporto cada vez mais a sério. Hoje é a minha profissão: treino cavalos, compito a nível nacional/internacional e dou aulas aos meus alunos e às minhas filhas.

CL – Na sua opinião, quais devem ser as características fundamentais de uma amazona?

SFP – As características fundamentais de uma amazona (na realidade, de qualquer cavaleiro) são: em primeiro lugar, gostar de cavalos (são, sem dúvida, animais espetaculares); tratar bem deles; saber gerir bem o trabalho e a ‘cabeça’ dos cavalos; ter capacidade de trabalho e de sacrifício; ter brio e gosto em todos os ‘passos’ diários; e, em termos competitivos, saber ganhar e também saber dar a volta quando não corre tão bem.

CL – Com que cavalo mais gostou de trabalhar ao longo do seu currículo equestre? 

SFP – Tive ao longo destes anos alguns cavalos que me marcaram muito. Talvez o que me tenha marcado mais tenha sido o ‘Magestic Prince’, por ter sido o que me levou pela primeira vez a saltar mais. Tinha um ‘coração’ enorme. 

Foto: Paulo Rodrigues

“O HIPISMO É UM DESPORTO ÚNICO”

CL – Que conselhos daria aos jovens que estão agora a iniciar o seu percurso no Hipismo?

SFP – O Hipismo é um desporto único, saudável e desafiante, tanto a nível físico como mental. Tem a vantagem de poder ser praticado em locais lindos ao ar livre. Implica uma ligação profunda com o cavalo. Exige trabalho e dedicação. Para se ser muito bom, como em tudo, são necessárias muitas horas de treino, nosso e dos cavalos.

CL – Na sua opinião, qual é a disciplina mais exigente do Hipismo?

SFP – Todas as disciplinas do Hipismo têm as suas exigências e particularidades. A modalidade de Saltos de Obstáculos, ao mais alto nível, é impressionante. Alia a velocidade ao rigor e precisão quase milimétrica.

CL – De praticante a professora, o que é mais gratificante para si?

SFP – São ambas gratificantes. Competir, ganhar, perder… tudo isso faz parte da minha evolução enquanto cavaleira profissional. É assim que enriqueço a minha experiência e os meus conhecimentos. E são essas competências adquiridas em pista que faço questão de transmitir aos meus alunos. É maravilhoso quando a mensagem passa e surgem os progressos.

CL – Recentemente, foi introduzida em Portugal uma variante do Hipismo, a Hipoterapia, ou equitação adaptada, que se destina ao tratamento de pessoas com problemas de deficiência física e/ou mental, através do contacto com os cavalos. Quais os principais benefícios da Hipoterapia? Também é praticada na sua escola?

SFP – Já tenho pensado em poder incluir a Hipoterapia na minha escola. Tem benefícios indesmentíveis a nível psicológico, físico e social. É um contacto genuíno entre o cavalo e a pessoa, uma interacção de confiança mútua.

CL – O Hipismo é devidamente valorizado em Portugal?

SFP – O Hipismo é pouco promovido em Portugal. Tem, porém, um conjunto considerável de praticantes. Estamos muito expectantes em relação às acções da nova direcção da Federação Equestre Portuguesa.

CL – O Hipismo é frequentemente considerado elitista. Concorda com esta ideia? 

SFP – Depende do tipo de prática. Se for para aprender sem ter um cavalo próprio, é acessível, com todos os benefícios inerentes. Se for para praticar ao nível da alta competição, já é bastante caro e não será para todos. 

Foto: Paulo Rodrigues

“TENHO UM ORGULHO MUITO GRANDE NAS MINHAS FILHAS”

CL – O que significa para si ter duas filhas campeãs nacionais?

SFP – Um orgulho muito grande! Significa que nesses anos foram as melhores de Portugal nos seus escalões! É uma enorme satisfação que elas gostem tanto deste desporto, que nos acompanhem regularmente, que se empenhem, que se foquem e que tenham conseguido já estas medalhas. É um trabalho conjunto e não é fácil, como mãe, ensinar as minhas filhas. Por vezes, sou exigente de mais… sem dar por isso. 

CL – Quais as dicas mais importantes que passou às suas filhas enquanto amazona? 

SFP – Já foram várias. As mais repetidas são para terem calma, serem trabalhadoras e humildes. Um grande campeão faz-se pequeno! Um pequeno campeão faz-se grande.

CL – O que gostaria de fazer ao nível do ensino da Equitação em Portugal?

SFP – Segmentar. Acho que se cada um se focar naquilo em que é bom, todos os cavaleiros ganham com isso. Logo, o desporto é melhor ensinado/praticado. Haver mais formação. E trazer referências estrangeiras com currículo para melhorar o conhecimento dos instrutores.

CL – O Hipismo é mais uma arte ou um desporto? 

SFP – É uma arte também praticada sob a forma de desporto.

CL – Quais os principais benefícios do Hipismo? 

SFP – É um desporto ao ar livre por excelência, o que oferece grandes vantagens. É relaxante, reduz o stress. Estimula o nosso cérebro. Fortalece a nossa musculatura, melhora a nossa coordenação, equilíbrio e a nossa postura. Pode ser uma grande ajuda na autoconfiança e no controlo da ansiedade.

CL – Qual a oferta disponibilizada pela Escola Horses R’Us? Quantos elementos trabalham na escola? Quantos cavalos tem? Quantos praticantes/alunos? Quantos deles participam em competições? 

SFP – A Horses R’Us está inserida num Centro Hípico com uma localização única, com vista de mar. Damos aulas de Equitação a crianças e adultos, desde a iniciação até à competição. Pormenor importante: em várias línguas. Para além de ensinar a montar a cavalo, ensinamos também todos os cuidados básicos de higiene e saúde dos cavalos. Organizamos ATL’s nas férias escolares, festas de aniversário, passeios a cavalo. Temos cavalos a penso e treinamos cavalos. 

Participamos em Competições Nacionais e Internacionais regularmente. E temos muitos resultados de toda a equipa a vários níveis e vários pódios/medalhas. Somos quatro monitores a dar aulas. Temos cinco cavalos e quatro póneis na escola. E depois vários alunos já com os seus cavalos próprios. Temos aproximadamente 90 alunos, sendo que cerca de 30 por cento já competem.

Foto: Paulo Rodrigues


“EXISTEM MUITAS ESCOLAS DE EQUITAÇÃO EM PORTUGAL”


CL – Fazem falta mais escolas de Equitação em Portugal? 

SFP – Na minha opinião existem muitas escolas de Equitação em Portugal, talvez algumas precisassem de mais apoios para as suas infraestruturas e cavalos, pois os custos envolvidos na manutenção de uma escola (cavalos) e locais de treino são muito elevados.

CL – Sendo uma actividade cuja prática permite um maior isolamento, a Equitação foi menos prejudicada do que as restantes modalidades devido ao confinamento imposto pela crise sanitária que enfrentamos? 

SFP– No meu caso específico, fechei mesmo a escola nas alturas em que foi necessário. Mas sim, calculo que por ser uma prática desportiva ao ar livre e com poucos atletas por metro quadrado, tenhamos sido menos prejudicados em fases posteriores. De qualquer maneira, foram tempos mais difíceis, pois tivemos de continuar a tratar e a sustentar os cavalos de igual forma.

CL – Qual o cavaleiro que mais aprecia em Portugal e no estrangeiro?

SFP – Em Portugal admiro vários, mas gosto muito do estilo de monte do cavaleiro Duarte Seabra. No estrangeiro, destaco o Martin Fuchs (actual número 3 do Mundo). Conheço-o pessoalmente e à sua família e admiro todo o trabalho que fazem para alcançar todos aqueles resultados.

CL – Quais são os elementos da sua Equipa de competição?

SFP – São vários: desde o tratador, gestora dos estábulos, monitores, cavaleiros, ferradores, veterinários… sem nunca esquecer os mais importantes… os nossos cavalos!

CL – Como vê o futuro do Hipismo em Portugal?

SFP – Sou uma optimista! Vejo um futuro promissor. Porém, nos últimos três anos, tivemos três direcções diferentes na Federação Equestre Portuguesa. É preciso estabilidade e pessoas com capacidade para tomar decisões que beneficiem o Hipismo em Portugal.

Foto: Paulo Rodrigues

CURRÍCULO EQUESTRE

• Campeã da Taça de Portugal Juniores, na Figueira da Foz (1992).

• Seleccionada para a equipa nacional de Juniores, participando nos concursos internacionais de: Reims (França); Villeneuve D’Asq (França); Babenhausen (Alemanha); Kerzers (Suíça); Waregem (Bélgica) e por fim no Campeonato da Europa de Juniores, que se realizou na Áustria (1993/1994).

• Melhor Amazona Portuguesa no Ranking Nacional em 1997/1998/1999/2000.

• Vencedora do Grande Prémio ‘Optimus’ do Vimeiro e Prémio de Melhor Amazona (1999).

• Vencedora do Grande Prémio de Badajoz (Espanha); Prémio Cortefiel de Melhor Cavaleiro de Concurso e Prémio de Melhor Amazona (1999).

• Vice-Campeã de Amazonas (1999).

• Vencedora do Grande Prémio da Figueira da Foz (2000).

• Vencedora da Prova de Masters da Quinta da Marinha (2000).

• 2ª no Grande Prémio do CSNA de Matosinhos (2000).

• 3ª no Grande Prémio do CSNA de Lisboa (2000).

• 3ª no Grande Prémio do CSNA do Vimeiro e prémio de Melhor Amazona do concurso (2000).

• Vencedora Grande Prémio CSNA Vimeiro (2001). 

• Vencedora Derby Cª das Lezírias (2002).

• Vencedora Prova Masters Quinta Marinha (2002).

• Medalha Bronze na Taça Ibérica de Amazonas (2002).

• Vencedora do Grande Prémio de Joane (2003).

• Vice-Campeã de Amazonas Cnema (2005).

• Campeã de Amazonas Cnema (2007). 

• Entre 2011 e 2020, obteve mais de 140 classificações nos três primeiros lugares em provas nacionais e internacionais.

Participação em estágios com cavaleiros do TOP mundial, como Thomas Fuchs e Gilles Bertrand de Balanda.

Autor: Luís Curado

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