‘Banhos da Poça’ em S. João do Estoril com virtudes medicinais

O papel dinamizador desempenhado pela estância termal que ficou conhecida como, os ‘Banhos da Poça’, na constituição e desenvolvimento demográfico da localidade de São João do Estoril, que se poderá situar entre finais do século XIX e os primeiros anos do século XX, e a evolução da exploração e aproveitamento das águas termais que brotavam junto à praia da Cadaveira, é recordado nesta breve história, com base na documentação escrita e iconográfica existente nos arquivos, quer da Câmara Municipal de Cascais, quer da Santa Casa da Misericórdia de Cascais, fornece-nos inúmeros elementos relativos às edificações particulares, às infra-estruturas e às principais figuras dinamizadoras da novel localidade.

A EXPLORAÇÃO DAS ÁGUAS MINERO-MEDICINAIS DA POÇA

Por alvará datado de 16 de Fevereiro de 1843, a rainha D. Maria II concedeu autorização à Santa Casa da Misericórdia de Cascais para explorar as águas termais que brotavam das rochas junto à Praia da Cadaveira à direita da estrada de Cascais para Lisboa. Sabe-se que já em 1835 se reconheciam as suas virtudes medicinais, sendo referenciadas pelo Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, que as recomenda para o tratamento da lepra.

Eram então exploradas por Matias José de Oliveira Leite que autorizava banhos gratuitos aos pobres do distrito de Lisboa que obtivessem um despacho favorável da Misericórdia.

O interesse da Santa Casa da Misericórdia de Cascais pelo aproveitamento das águas termais da Poça, revelando um reconhecimento das suas virtudes medicinais, enquadra-se nas funções assistenciais que constituem a razão de ser da instituição. Desta forma, no regulamento inicialmente elaborado, estipula-se que, além dos banhos pagos destinados ao público em geral, haveria banhos gratuitos para os irmãos e respectivos familiares e para os emprega- dos da Misericórdia e ainda banhos de caridade destinados a pessoas carenciadas.

De início as instalações que albergavam os banhos eram rudimentares, sendo o equipamento utilizado montado em dois barracões de madeira de carácter provisório, que eram armados e desarmados sazonalmente, uma vez que a estância termal se encontrava em funcionamento apenas entre a Primavera e o final do Outono.

Por portaria de 6 de Dezembro de 1860, o Ministério da Guerra autorizou a concessão do forte de São Pedro (também conhecido com a designação de Forte de São Teodósio ou da Poça) à Santa Casa da Misericórdia de Cascais para que pudesse ser utilizado para alojar doentes pobres que frequentassem os banhos e também para o armazenamento do equipamento utilizado no final da estação termal.

Postal ilustrado editado pela C.M. de Cascais

O crescente número de doentes que procuravam os tratamentos termais e o consequente aumento das receitas auferidas pela exploração das termas conduziram a investimentos visando a melhoria das instalações.

Assim, em 1861, realizaram-se obras que, entre outros aspectos, dotaram a estância termal de casas assoalhadas e cobertas, aumentaram a capacidade de 4 para 9 tanques de cantaria para banhos, promoveram a construção de um novo depósito com capacidade para 5 metros cúbicos e de canos de cantaria para a condução da água. Foi ainda adquirido o mobiliário considerado necessário a cada gabinete de banho.

Em 1892, foi aprovado um Decreto-Lei que, pela primeira vez no nosso País, regulamentou o funcionamento das estâncias termais, colocando as concessões sob a dependência do Governo, sujeitando-as a fiscalizações e inspecções oficiais. Na prática, a legislação então implementada motivou a realização de obras de beneficiação em grande parte das estâncias temais portuguesas, facto que conduziu à melhoria das condições oferecidas pela generalidade destes estabelecimentos e ao consequente aumento da sua procura por parte do público .

Na sequência da autorização concedida pelo Governo Civil de Lisboa à Santa Casa da Misericórdia de Cascais para que pudesse arrendar a exploração dos banhos termais da Praia da Cadaveira, foi celebrada, em Janeiro de 1894, uma escritura entre a Misericórdia e o Ministério da Guerra que autoriza a primeira a edificar um novo imóvel nos terrenos circundantes do Forte de São Pedro, mantendo-se a concessão desta fortificação conforme acordado anteriormente, alargada agora também à esplanada do Forte de São João da Cavadeira, válida por um período de 99 anos.

Ainda com base na referida autorização do Governo Civil de Lisboa, é celebrado um contrato de arrendamento, válido igualmente por 99 anos, das águas termais denominadas ‘Banhos da Poça’, cuja exploração a Santa Casa da Misericórdia de Cascais arrenda por 100 mil réis ao Dr. Carlos Tavares , docente da Escola Médico-cirúrgica de Lisboa, e ao Tenente-Coronel Jacinto Parreira. Os novos arrendatários comprometem-se a construir um novo edifício dispondo das mais avançadas condições adequadas às necessidades dos tratamentos hidroterápicos, cujo projecto deveria ser apresentado à Misericórdia e às autoridades competentes no prazo de 6 meses, devendo as obras iniciar-se dentro do prazo de um ano. Caso não fossem cumpridas as condições enunciadas, previa-se que o contrato de arrendamento celebrado caducaria automaticamente. Os novos arrendatários ficaram ainda obrigados reparação do Forte de São Pedro.

A fim de concretizar estes empreendimentos, constituiu-se uma sociedade denominada Empresa dos Banhos da Poça em São João do Estoril, que tinha como finalidade o aproveitamento das águas termais conhecidas como os ‘Banhos da Poça’ a e a fundação de um estabelecimento balnear. A direcção técnica das termas ficou a pertencer ao Dr. Carlos Tavares, enquanto que a direcção clínica foi entregue ao Dr. Francisco Eusébio Leão.

A construção do novo edifício, provavelmente projectado pelo Tenente Coronel Jacinto Parreira, iniciou-se em Julho de 1894. Dispunha de vestíbulo, bilheteira, duches, banhos especiais, gabinete médico, sala de espera, vinte quartos de banho, vestiário, lavabo e nascente de água, assim como de um salão com cerca de 200 metros quadrados, que rapidamente se tornou o local privilegiado para a realização de saraus, bailes e outras actividades de carácter lúdico e cultural pela, comunidade residente em São João do Estoril.

Entre os tratamentos efectuados nesta estância termal, podemos enumerar os banhos de imersão, os duches escoceses, de chuva, circulares, nasais, vaginais, pulverizações e inalações, considerados águas adequados para o tratamento de artrismo, linfatismo, escrofulose, engorgitamento do fígado, baço, gastrites mucosas, reumatismo e doenças de pele. A qualidade das águas termais aqui disponibilizadas era reconhecida, uma vez que, segundo dados de 1910, os ‘Banhos da Poça’ eram frequentados anualmente por cerca de 560 pessoas.

A água termal que brotava junto da Praia da Cadaveira encontrava-se igualmente disponível para a venda em farmácias, tanto em garrafas de um litro, como em garrafões de cinco litros. Em 1918, o edifício dos ‘Banhos da Poça’ foi transformado em hospital provisório a fim de receber os doentes infectados pela gripe pneumónica que nesse ano assolou o nosso País. A actividade normal das termas seria retomada apenas em 1920.

Postal ilustrado editado pela C.M. de Cascais

No entanto, decorridos apenas dois anos. na sequência de um litígio entre o Ministério da Guerra e o então arrendatário dos ‘Banhos da Poça’, Luís Filipe da Mata, acerca da posse dos terrenos onde se encontrava instalada a estância termal, o edifício foi ocupado pelos militares. De facto, a 27 de Novembro de 1922, uma comissão de oficiais do Campo Entrincheirado de Lisboa, acompanhada de uma força do comando de oficiais, tomou posse e ocupou os edifícios e terrenos anteriormente cedidos à Santa Casa da Misericórdia de Cascais, questionando a legalidade da concessão efectuada em Janeiro de 1994, uma vez que não se previa o arrendamento dos terrenos a terceiros como se veio a verificar, mas apenas a possibilidade de trespassar a concessão. Com base nestes argumentos, o Supremo Tribunal Administrativo foi chamado a pronunciar-se, em Julho de 1924, anulou o arrendamento do Forte de São Pedro à Santa Casa da Misericórdia de Cascais.

Consequentemente, esta decisão veio a pôr fim à exploração das águas termais dos ‘Banhos da Poça’, embora haja indícios de que o estabelecimento tenha sido utilizado ainda durante algum tempo para tratamentos termais, sob outra direcção da qual não dispomos de elementos, uma vez que, em 1931, a Câmara Municipal de Cascais concedeu uma licença para serem efectuadas obras de reparação no edifício dos ‘Banhos da Poça’, pertencente ao Ministério da Guerra.

Sabe-se ainda que só em 1935 se elaborou o auto de entrega do edifício ao Ministério da Guerra.

O DESENVOLVIMENTO URBANO E DEMOGRÁFICO DE SÃO JOÃO DO ESTORIL

A localidade de São João do Estoril desenvolveu-se na parcela de terreno situada entre a linha férrea e o mar. A 6 de Junho de 1890, a Câmara Municipal de Cascais deliberou a atribuição do nome de “São João do Estoril” aos terrenos junto ao Forte de São João da Çadaveira até ao sítio da Poça, o que será certamente reflexo de um crescimento urbano já então em curso.

Entretanto, a organização quer do espaço físico envolvente a o sítio da Cadaveira, quer da respectiva comunidade humana, se começou por reflectir a procura de habitações de veraneio, conheceu uma progressiva estruturação: em 1892, a Câmara Municipal de Cascais adjudica a instalação de canalização para assegurar o abastecimento de água à área compreendida entre São João do Estoril e o Monte Estoril à Empresa Industrial Portuguesa; a partir de Setembro de 1896, publicou-se e o primeiro semanário editado em São João do Estoril; em Julho de 1899, iniciaram-se as carreiras de chars-à-bancs entre a vila de Cascais e a Empresa dos Banhos da Poça assegurando a ligação desta comunidade ao mais importante centro urbano das proximidades; em Agosto do ano seguinte, inaugurou-se o Club da Poça, que funcionaria como espaço privilegiado de convivência social, por meio do qual se organizariam doravante saraus dramáticos e musicais soirées dançantes, matinées infantis, serenatas, corridas de velocípedes, corridas de burros, regatas, entre outras actividades de carácter desportivo ou cultural; em 1901, são colocados candeeiros de iluminação pública na localidade de São João do Estoril. Como reflexo do crescimento populacional da nova localidade e da crescente procura do estabelecimento termal, foi inaugurado, em Julho de 1901, o primeiro hotel que se estabeleceu na zona: o Bijou Hotel.

Postal ilustrado editado pela C.M. de Cascais

Por outro lado, a urbanização desta Área do Concelho de Cascais motivou a estruturação de uma rede viária que assegurasse tanto a organização espacial no interior da localidade, como também a ligação a outras localidades vizinhas. Desta forma, em 1887, inicia-se a construção da estrada que ligaria a Cadaveira às Rigueiras de Tires; em 1893, a Câmara Municipal de Cascais elabora um orçamento para assegurar a construção de arruamentos em São João do Estoril, procurando dar resposta às solicitações dos moradores; em 1896, são aprovados os projectos das estradas que ligariam São João do Estoril a Bicesse e assim como de São João do Estoril à Praia da Poça.

Também o culto religioso constituiria uma preocupação da nova comunidade, pelo que, a 15 de Aqosto de 1906, foi inaugurada a capela de Nossa Senhora da Conceição, construída por iniciativa de António Carvalho.

Após a chegada, em Aqosto de 1910, da luz eléctrica, que possibilitou a entrada em funcionamento do cinematógrafo no Salão da Poça, verificou-se, em Janeiro do ano seguinte, a fundação da Sociedade de Educação Social de São João do Estoril, reflexo da importância que os republicanos, recentemente chegados ao poder, conferiam ao Ensino.

Segundo o censo populacional de 1911, existiam em São João do Estoril 295 habitantes, distribuídos por 64 fogos, enquanto que na localidade da Galiza, que poucos anos antes era a mais importante povoação da zona, habitavam 225 pessoas, ocupando 56 fogos e o Livramento contava com 123 habitantes e apenas 31 fogos. Esta dinâmica populacional seria também reflexo, naturalmente, da nova centralidade que o local de São João do Estoril terá adquirido em função da proximidade à linha férrea e da instalação, posterior a 1889, de um apeadeiro ferroviário no Alto da Cadaveira.

O crescimento que a região conheceu entre o final do século XIX e os primeiros anos do século XX reflectiu-se ainda na constituição de uma nova paróquia: a paróquia do Estoril, criada pela Lei no 444 de 18 de Setembro de 1915. Com sede em São João do Estoril, passou a incluir as localidades do Estoril, São João do Estoril, Cai-Água (localidade actualmente designada como São Pedro do Estoril), Livramento, Alapraia e Galiza, desanexadas das paróquias de Cascais, Alcabideche e São Domingos de Rana.

Autor: Cláudia Silveira

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