A história da Sociedade Familiar e Recreativa da Malveira da Serra (SFRMS) relata um percurso marcado por um testemunho passado de geração em geração, muitas vezes entre elementos de uma mesma família residentes nesta localidade da freguesia de Alcabideche, no extremo Noroeste do concelho de Cascais, dentro do perímetro do Parque Natural de Sintra-Cascais. Fundada em 14 de Fevereiro de 1941, a colectividade assinalou este ano o 83.º aniversário, cerimónia que contou com a presença de várias individualidades, entre as quais Nuno Piteira Lopes, vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais.
“São 83 anos se tradição, com formação nas áreas da Dança, da Cultura, do Teatro, da Música e, acima de tudo, uma interligação muito forte entre aquilo que são os jovens há mais tempo e os jovens há menos tempo. É um pilar fundamental daquilo que é o preservar das nossas tradições e o saber passar de geração em geração aquilo que é a nossa cultura popular, aquilo que são as nossas gentes aqui da Malveira da Serra, e que têm conseguido, de facto, manter os jovens agarrados aquilo que são as tradições da colectividade”, sublinhou o autarca no momento de cortar o bolo de aniversário da SFRMS.
A instituição nasceu da cisão de um grupo de sócios da Sociedade de Instrução e Recreio de Janes e Malveira que se opunham à construção da sua sede em Janes. Estes sócios fundadores promoveram a formação de uma tuna com cinco elementos, composta por três violinos e dois bandolins, cumprindo o propósito de nova Sociedade em estimular o ensino da música e promover a constituição de agrupamentos musicais. O edifício-sede da nova colectividade foi construído em 1940 e ampliado em 1969, mantendo-se no mesmo local, no centro da Malveira da Serra. Hoje, começa a ser pequeno para as necessidades.
Actualmente, a SFRMS tem em funcionamento uma Escola de Música, conta com uma Banda Filarmónica e duas orquestras, uma ligeira e outra juvenil, mantém em actividade um Grupo Cénico e um Grupo de Dança-Jazz e promove várias actividades de carácter cultural e recreativo que têm contado com a adesão da população. Entre os eventos que organiza, destacam-se os festejos de Carnaval, as Festas de Maio e as Marchas Populares. O jornal ‘O Correio da Linha’ esteve à conversa com Fábio Baleia, o novo presidente da colectividade desde Março deste ano, que aposta no presente e aponta ao futuro.
LIGADO À SOCIEDADE DESDE PEQUENINO
Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – Foi eleito presidente da SFRMS em Março deste ano. Desde quando está ligado a esta colectividade?
Fábio Baleia (FB) – Praticamente desde sempre. Eu tenho 27 anos, nasci em 1996. Ou seja, já estou ligado a esta casa há uns bons anos. Eu vinha para cá em pequenino, na altura as minhas tias andavam aqui, na Dança. Eu vinha para aprender, comecei a ajudar nos espectáculos, até que começaram a incentivar-me para colaborar na parte da técnica, na iluminação. Foi aí que iniciei a minha ligação à Sociedade.
CL – E acabou por chegar à presidência…
FB – Foi um percurso que escalou um bocado rápido, é verdade. Mais recentemente, comecei também a ajudar a organizar festas destinadas aos mais jovens, para os atrair a esta casa. Assumi a responsabilidade de organizar estas festas e passei a integrar uma estrutura de que faço há três anos. Nos primeiros dois anos fiz parte de outra direcção.
CL – Quando começou a integrar as listas dos órgãos sociais da colectividade?
FB – A primeira vez foi quando tinha 18 anos. Há perto de 10 anos, portanto.
CL – Quando assumiu a presidência da SFRMS?
FB – Foi a 16 de Março deste ano. Houve várias assembleias gerais sem que tivesse sido feita qualquer proposta para a presidência. Isto é uma direcção um bocado familiar, há vários elementos da mesma família envolvidos, primos, irmãos, tios, casais, pais e filhos. Foram precisas quatro assembleias gerais extraordinárias até surgir uma direcção para que a Sociedade não fechasse portas.
CL – Estas eleições só contaram com um candidato à presidência?
FB – Sim, eu fui o único candidato a apresentar uma proposta à direcção. É muito raro aparecerem duas propostas candidatas à presidência. Aliás, nunca me lembro disso ter acontecido.
CL – Referiu que tem familiares ligados à SFRMS?
FB – Bisavós, avós, pais, tios, primos. Tenho familiares ligados à Sociedade desde a sua criação, em 1941. Um dos meus tios participou, inclusive, nas obras de construção do nosso edifício-sede. A sociedade está muito enraizada na família.
CL – Qual é a duração do seu mandato?
FB – É só um ano. Temos eleições todos os anos. Às vezes, repetimos os mandatos. Já estivemos dois anos seguidos com a mesma direcção. Não temos limites para o número de anos em que uma mesma direcção está em funções. Pretendo que a minha direcção possa manter-se também dois anos seguidos em funções. Um ano não dá para nada, é só para tratar de burocracias, para perceber um bocado a dinâmica da Sociedade. Só depois é que conseguimos avançar com outros projectos, para além daqueles que já estão em desenvolvimento. Projectos mais a longo prazo são complicados de implementar num tão curto espaço de tempo. Não dá.
“TEMOS TRÊS PROJECTOS PRINCIPAIS”
CL – Quais os principais objectivos desta sua primeira presidência à frente da SFRMS?
FB – Nós temos sempre os projectos principais, que são três: o Carnaval, as Festas de Maio e as Marchas Populares. Depois temos as comemorações de vários aniversários, que começam logo com o aniversário da Banda Filarmónica, no dia 14 de Fevereiro. Temos também a Orquestra Ligeira (que se estreou em 27 Outubro de 2001) e a Orquestra Juvenil (que fez a primeira actuação pública em 24 de Março de 2018), o grupo de Dança-Jazz (com 41 anos de existência) e o Grupo Cénico.
CL – O que está a pensar fazer de novo, ao longo dos dois anos que referiu, se vier a cumprir dois mandatos seguidos?
FB – Há sempre pouco tempo para jogar com novos projectos, mas queremos manter a casa cheia com as várias actividades que vamos desenvolvendo. No domínio das iniciativas, queremos abrir ainda mais a casa aos sócios. Agora, temos, por exemplo, a transmissão dos jogos da Selecção Portuguesa de Futebol no Euro’2024 nas nossas instalações. Promovemos também várias outras actividades, como a Quiz Night, a Rock Night, o Bingo, a Noite de Bar, bailes, actuações de bandas ao vivo, as festas de Natal e de Fim-de-Ano, entre outras iniciativas.
CL – Quantos sócios tem a Sociedade?
FB – Temos muitos sócios honorários e outros que já desistiram. Temos uma lista com mais de mil sócios, mas sócios efectivos, pagantes, são cerca de 500. Há muitas famílias com vários elementos como sócios pagantes, pais e filhos. Para poder participar nas nossas actividades, a partir de uma certa idade, é preciso ser sócio da Sociedade.
CL – Qual é a proveniência dos vossos sócios?
FB – A grande maioria dos nossos sócios é aqui da localidade, para aí uns 90 por cento.
CL – Entre que idades?
FB – Os sócios pagantes começam a partir dos 18 anos. O mais sénior está na casa dos 70. Depois há os sócios honorários, muitos deles com mais idade.
CL – Qual é a sua profissão?
FB – Sou técnico de Informática. Na produção dos espectáculos, sempre gostei de trabalhar com a iluminação e o som.
CL – Reside na Malveira da Serra. Indique-nos o melhor e o pior desta localidade?
FB – O pior, sem dúvida, é o vento que se faz sentir nesta zona. O melhor é a união das pessoas. As pessoas daqui são muito unidas.
CL – Essa união tem feito a diferença?
FB – Podemos ver isso pela própria colectividade. Enquanto a SFRMS está de pé, há por aí muitos sítios onde as colectividades estão a fechar. Isto é uma espécie de segundo trabalho que se tem, implica ter de lidar com muita burocracia, não é fácil encontrar quem esteja disposto a assumir a responsabilidade da direcção, mas há sempre pessoas para ajudar. É incrível a união que as pessoas têm aqui. Sempre que é preciso, elas dizem ‘presente’. Apareceu esta direcção, há nove pessoas para assumir a Sociedade, mas temos uma lista enorme de colaboradores. Toda a gente apoiou esta direcção, há uma grande adesão das pessoas às nossas iniciativas, nomeadamente da parte dos jovens.
Passámos por uma fase complicada na altura da pandemia Covid-19, mas isso já está ultrapassado e as pessoas, sobretudo os jovens, estão a regressar em força e a participar nos eventos que organizamos. Por exemplo, agora nas Marchas Populares de Cascais, a nossa foi uma das mais juvenis aqui no concelho. Tínhamos uma faixa etária dos 15 aos 50 anos, sendo que a maioria dos participantes eram adolescentes.
CL – Como correram as Marchas Populares deste ano?
FB – Tudo cinco estrelas. As Marchas correram muito bem, ao nível da organização e em termos artísticos, tal como as actuações que realizámos.
CL – Participaram com a marcha ‘O Sonho do Gaio Azul’, sob o tema ‘Liberdade’? Quantas pessoas participaram, quantos marchantes?
FB – Tivemos 30 marchantes, dois padrinhos, três cantoras e nove músicos. Desfilámos no Complexo Desportivo de Alcabideche, no Hipódromo de Cascais e no Mercado de Carcavelos. E fizemos, também, o nosso arraial aqui, na Malveira.
“É PRECISO FAZER COM QUE OS JOVENS SE SINTAM EM CASA”
CL – Como é que gostava que viesse a ser recordada a sua presidência?
FB – O intuito de ter vindo para a presidência é puxar a casa para cima e conseguir angariar o máximo de pessoas novamente. Pretendo voltar a puxar as pessoas que se afastaram e atrair os jovens para a Sociedade. É isso que eu quero tentar fazer. Gostava de ser lembrado por isso.
CL – O que pretende fazer para atrair os jovens?
FB – O que temos feito, exactamente.
CL – Como assim?
FB – Não é bem através de eventos, mas sim através da maneira de estar na colectividade, na maneira de os receber. Isso é muito importante, os jovens têm que se sentir em casa.
CL – O que é que os jovens aqui encontram?
FB – Encontram uma direcção receptiva às ideias que trazem à casa. Isso também é muito importante, saber ouvir as ideias desses jovens.
CL – Quais têm sido os pedidos feitos pelos jovens?
FB – Têm formulado vários pedidos. Por exemplo, agora, com a marcha, pediram para estar mais à-vontade para poderem fazer os seus ensaios, não serem reprimidos com coisas do tipo ‘não podes fazer assim e tens de fazer de outra maneira’. A pandemia que enfrentámos fechou muito a nossa casa e estes jovens que chegam agora nunca sentiram isso. O facto de sermos uma direcção mais nova também tem contribuído para atrair pessoas mais novas.
CL – Quantos elementos frequentam a Escola de Música da SFRMV?
FB – Temos 12 alunos que já estão com instrumentos e que têm aulas com solfejo.
CL – Têm alguma colaboração com as escolas da região?
FB – Sim, no ano passado, visitámos os estabelecimentos de ensino locais para fazer uma espécie de captação de jovens interessados em ingressar na nossa Escola de Música. Tivemos uma boa resposta e recebemos alguns alunos em resultado dessa iniciativa. Temos, também, um protocolo com a Câmara Municipal de Cascais para que alunos nossos, que estejam interessados em aprofundar os seus estudos, possam ingressar no Conservatório de Música de Cascais.
CL – Quantos elementos têm os vossos grupos musicais?
FB – A Banda Filarmónica conta com 35 elementos, na Orquestra Ligeira somos cerca de 15 músicos e a Orquestra Juvenil tem cerca de 20.
CL – Juntando a Música, a Dança e o Teatro, quantos elementos frequentam as actividades promovidas pela SFRMV?
FB – A Dança conta com cerca de 70 elementos e o Grupo Cénico com 15. Portanto, diria que, no total, temos cerca de centena e meia de pessoas, sendo que algumas delas frequentam mais do que uma actividade.
VÁRIOS ESPECTÁCULOS ATÉ AO FINAL DO ANO
CL – Nestes três domínios, Música, Dança e Teatro, o que está previsto apresentar até ao final do ano?
FB – A estreia de uma nova peça de Teatro com o Grupo Cénico, que será uma comédia, a subir ao palco em Novembro, e os espectáculos de celebração dos aniversários do Grupo de Dança, da Banda Filarmónica e das Orquestras Ligeira e Juvenil, que vão ocorrer nos meses de Outubro e Novembro. Vamos assinalar ainda, com a Banda Filarmónica, os 500 anos da Viagem de Vasco da Gama, com uma peça intitulada ‘A Viagem do Gama’, que será apresentada no dia 8 de Dezembro numa sala/auditório do concelho.
CL – Quem é o encenador do grupo teatral?
FB – Não temos propriamente um encenador. Temos uma directora, que já anda aqui há muitos anos, Maria Ernestina Gonçalves, uma autodidacta que tem levado o Teatro para a frente.
CL – Quem mais colabora nos vossos espectáculos, para além dos artistas?
FB – Temos uma equipa de 10 costureiras a trabalhar nos trajes e adereços, 10 pessoas nos cenários, mais técnicos de som e luz, entre outros colaboradores. Chegamos a ter uma centena de pessoas a colaborar num só espectáculo.
CL – Realizaram, este ano, mais uma vez, as já tradicionais Festas de Maio. Em que consistem estes festejos?
FB – Nas Festas de Maio participam todas as actividades que aqui promovemos. É uma maneira de dar a conhecer aos sócios o que fazemos, é uma mostra do trabalho realizado ao longo do ano. As Festas de Maio de 2024 tiveram a duração de oito dias, com a realização de inúmeras actividades, entre a Música, a Dança e o Teatro. Realizámos ainda uma caminhada até à Peninha, em honra de Nossa Senhora da Peninha, e organizámos uma Noite de Variedades.
CL – Para quando o pedido para obtenção do estatuto de Utilidade Pública, que ainda não têm?
FB – A obtenção desse estatuto obriga a colectividade a ter contabilidade organizada. Será outro passo a dar pela Sociedade, mas não para já. Tem de ser aos poucos. Estamos agora numa fase de legalização de licenciamentos do nosso edifício-sede. Futuramente, as instalações irão para obras. Pelo menos, assim esperamos. Estamos na fase inicial. O projecto ainda está em análise.
CL – Que obras vão ser realizadas? O que gostavam de conseguir fazer?
FB – Fazem-nos falta mais dois salões. Neste momento, temos duas salas: um salão principal, onde realizamos os espectáculos, e uma sala mais pequena. É uma casa que tem muitos ensaios. Às vezes, até o bar serve para realizar ensaios, porque há ocasiões em que está tudo ocupado e não temos outro espaço disponível para desenvolver todas as actividades previstas.
CL – E já têm asseguradas as verbas necessárias para avançar com o projecto?
FB – Temos um problema monetário. Essa foi uma das propostas que mandámos para o projecto, davam-nos autorização para construir em altura, mas a nível monetário é complicado.
CL – Com que apoios conta a SFRMV?
FB – Contamos com o apoio da Câmara Municipal de Cascais e da Junta de Freguesia de Alcabideche. Têm sido incansáveis. Temos ainda algumas ajudas do comércio local. E contamos com as quotas pagas pelos sócios, que nos ajudam a manter o básico, pagam a água, a luz e pouco mais. E depois há sempre as outras despesas que vão aparecendo e que é preciso pagar.