“Com três letrinhas apenas / Se escreve a palavra Mãe. / Que é das palavras pequenas, / A maior que o Mundo tem.” Esta conhecida quadra tem a assinatura da poetisa Heloísa Cid e expressa bem o sentimento que a esmagadora maioria de nós sente pela figura familiar materna, homenageada em Portugal no primeiro domingo do mês de Maio. Neste ano de 2019, o Dia da Mãe assinala-se a 5 de Maio.
Tirando uma ou outra aberração da Natureza, que o noticiário criminal se encarrega de explorar até à exaustão, ser mãe, dar vida a um novo ser, é um acto de amor e é para toda a vida. A maternidade prende mãe-e-filho para sempre, às vezes até ao limite da pontinha do exagero, ilustrado frequentemente com a expressão “mãe galinha”. Normalmente, são os homens quem mais se queixa disto…
Ao longo dos séculos, a Maternidade tem sido testemunhada através das mais diversas formas de expressão artística, desde a Pintura à Literatura, passando pela Escultura, Fotografia, Cinema, Música… Actualmente, esta nova dimensão social em que vivemos, orientada para um frenesim ocupacional, não deixa muito espaço à actuação das mães, protagonistas agora de vários outros papéis com enredos bem diferenciados.
A missão de ser mãe é cada vez mais um desafio enfrentado diariamente com resiliência e capacidade de gestão orientada para resolver problemas, enfrentar contratempos, inventar soluções e dar aos horários disponíveis uma outra dimensão que parece multiplicar minutos, recursos e sensibilidades. Ser mãe é também a capacidade de viver a aventura de estar à altura dos acontecimentos em cada instante que a vida traz.
O jornal ‘O Correio da Linha’ foi à procura de uma dessas mães que marca a diferença num Mundo que nem sempre lhes atribui a justa importância nem lhes confere o lugar que merecem. Ainda hoje, as mulheres ganham em média menos do que os homens nos mesmos trabalhos, ocupam menos lugares de topo e têm de desenvolver um esforço acrescido para mostrar que são… iguais.
Aqui ficam as respostas de Marina Bravo, uma bombeira voluntária que integra a corporação de Bombeiros de Queluz. Com 36 anos, esta mulher lutadora é casada com um bombeiro de outra corporação e é mãe de duas crianças, uma menina com sete anos e um rapaz com 13. Além de bombeira, colabora também com o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e está a frequentar uma Licenciatura em Educação, numa vertente de Pedagogia Social e Formação.
“DIA DA MÃE E SPA A PRENDA PERFEITA”
Correio da Linha (CL) – Como é que é festejar o Dia da Mãe sendo bombeira, uma actividade que nem sempre permite que possa assinalar esta data em família?
Marina Bravo (MB)– Para além de ser bombeira, sou mãe, e sempre que posso dou prioridade a essa “actividade”, mas quando não é possível, passo esse dia “especial” a ajudar as mães/pais/filhos de alguém, com a mesma intensidade e profissionalismo, como se fosse um dia normal, tentando compensar os filhos da ausência, quando chego a casa, com um jantar especial.
CL – Enquanto filha, como assinalava este dia com a sua mãe? Lembra-se de alguma prenda especial que lhe tenha dado?
MB – Para mim, o Dia da Mãe é comemorado todos os dias, quando ligo para a minha mãe, ao final de cada dia, para saber se está tudo bem e a relatar o meu dia-a-dia. Mas quando era pequena, lembro-me de fazermos almoços especiais nesse domingo, todos os anos, oferecendo uma lembrança à minha mãe, muitas vezes feita à mão por mim e pela minha irmã mais velha. Essa tradição passou para a geração seguinte, os meus filhos continuam com os mesmos hábitos, com o meu orgulho.
CL – Qual seria para si o Dia da Mãe perfeito? Que prenda gostaria de receber? O que gostaria de fazer?
MB – O Dia da Mãe e SPA são a celebração perfeita, a prenda perfeita.
CL – Algum dos seus dois filhos mostra interesse em seguir as pisadas da mãe enquanto bombeira?
MB – Felizmente não! Pelo menos por agora não demonstram interesse, mas se o fizerem terão o meu apoio.
CL – Tem alguma outra actividade profissional, além de ser bombeira voluntária e colaboradora do INEM? Qual a sua função nesta instituição?
MB – Não. Sou Bombeira Voluntária e sou Técnica de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) no INEM em Lisboa. Exerço funções enquanto técnica de ambulância de suporte básico de vida e funções de operadora de telecomunicações no CODU (Centro Operacional de Doentes Urgentes).
“O DIA DEVERIA TER MUITO MAIS DO QUE 24 HORAS”
CL – Como é que é gerir todos estes papéis: esposa, estudante, bombeira voluntária, colaboradora do INEM e mãe de duas crianças? Como é que é conciliar todos estes papéis? Que tipo de atenção é que os seus filhos costumam exigir da mãe?
MB – Não é nada fácil! É bastante exigente! O importante é dar prioridades e ter organização. O dia para mim, e para muitas outras mulheres, deveria ter muito mais do que 24 horas. É impossível fazer tudo num só dia, e por isso tem que haver uma autorregulação diária. A rotina ajuda-me imenso, pois tenho quase tudo organizado por etapas e horas. Eles ajudam-me nas tarefas que lhes proponho, e o meu marido também, sendo uma grande ajuda.
Eu e o meu marido trabalhamos por turnos, tentando conciliar os horários para gerir tudo: a escola das crianças, a Maria Beatriz com 7 anos que está no 2.º ano e o Gabriel com 13 anos que está no 8.º ano, e ambos estão num centro de estudos extra-escolar que tem sido uma ajuda enorme para nós, visto terem um acompanhamento escolar extraordinário, e o extracurricular com idas à natação e trabalhos de casa feitos quando chegam a casa; a casa, com banhos, refeições, tarefas domésticas diárias; o cumprimento dos piquetes voluntários escalados, visto o meu marido também ser bombeiro voluntário; o estudo para terminar uma licenciatura em Educação, que pelo simples facto de ser em e-learning ajuda imenso.
Os meus filhos cresceram com esta rotina já estabelecida, que vai ser ajustada conforme o crescimento deles e o aparecimento de novas situações, mas no geral o mais importante é que não pode faltar tempo para falar, estar, mimar, brincar e passear com eles e com o meu marido.
CL – Ao início do dia e ao final do dia, quais as actividades mais exigentes enquanto mãe?
MB – No início do dia, o mais difícil para mim é conseguir sair da cama! E quando consigo, a tarefa de os levantar a eles também não é fácil, andando sempre a correr para chegar a horas ao trabalho. Ao final do dia, é conseguir fazer tudo o que falta (preparar roupa, refeições, arrumar a cozinha) depois de os deitar, visto que sou muito rigorosa na hora de ir dormir (21h30/22h00). Por isso aproveito o tempo enquanto estão acordados para estar com eles e junto algumas tarefas para fazer depois.
CL – Numa família de bombeiros, que podem ser chamados a qualquer hora para acudirem a uma emergência, que tipo de tempo sobra para a família?
MB – A ajuda que os meus pais nos dão é enorme, e sem eles não sei como conseguiria, sobretudo nos dias em que trabalhamos aos fins-de-semana, feriados, tardes ou noites. Eles têm sido uma base de apoio muito grande connosco, mas principalmente com os netos. A gestão de tempo que temos de aprender a fazer nesta situação é maior, mas tudo depende das prioridades que damos às coisas. E a família é a primeira prioridade da minha lista, logo sobra sempre tempo.
CL – O que a levou a escolher esta actividade como bombeira voluntária?
MB – Iniciei a vida de voluntariado com 16 anos na Cruz Vermelha Portuguesa, onde estive 11 anos, passando posteriormente para os Bombeiros Voluntários de Queluz, onde fui profissional durante seis anos, até entrar para o INEM, onde trabalho há três anos, continuando a ser voluntária nos bombeiros. O que me levou a escolher esta área foi o desafio e o serviço humanitário que é prestado, para além do serviço de emergência ou transporte. É um trabalho muito exigente, mas muito gratificante, onde todos os dias aprendemos algo novo, tornando-nos pessoas melhores, mais conscientes e maduras.
CL – Desde quando é bombeira voluntária?
MB – Entrei para os Bombeiros Voluntários de Queluz em Outubro de 2009.
“O MAIS DIFÍCIL É GERIR O TEMPO E AS EMOÇÕES”
CL – Na vida de bombeiro, o que é mais difícil? E gratificante?
MB – O mais difícil é gerir o tempo e, principalmente, as emoções. São as noites mal dormidas, numa cama que não é a nossa, as noites em que não damos um beijo de ‘boa-noite’ aos nossos filhos, é a vontade de fazer algo mais e não poder, por questões políticas, económicas e com demasiada burocracia. Por outro lado, é gratificante um obrigado, ou um simples olhar com um sorriso, como forma de agradecimento. Ou ouvir uma multidão de pessoas a bater palmas, enquanto desces numa autoescada, depois de agarrares um gatinho bebé de uma janela no 8.º andar. É entrar com uma maca numa maternidade, com a mãe e o bebé recém-nascido nos braços, depois de termos sido um auxílio para ambos numa hora tão especial. É conseguir recuperar o pulso de alguém, depois de estarmos em manobras de reanimação, sem nunca desistir. É poder aliviar a dor de alguém. Existem muitas coisas gratificantes que nos dão força, motivação e alegria para continuar a ajudar quem precisa.
CL – Num mundo maioritariamente de homens, é difícil ser bombeira voluntária? As mulheres têm de mostrar mais para se imporem?
MB – Não. Acho qua a sociedade está a mudar e as mulheres, por mérito próprio, têm vindo a ocupar novas posições nos bombeiros, incluindo cargos de chefia e de comando, não havendo qualquer discriminação em seu favor. O trabalho de bombeiro é “pesado fisicamente”, mas nós mulheres bombeiras temos a capacidade de gerir melhor o trabalho “pesado psicológico”. São milhares de mulheres que diariamente prestam socorro em todo o Mundo em prol do seu semelhante com o mesmo profissionalismo e empenho que os homens.
CL – Qual a situação mais difícil que enfrentou enquanto bombeira voluntária?
MB – No início da nossa jornada de voluntários vemos coisas que nos marcam para a vida. Com o tempo aprendemos a gerir as emoções e as situações que apanhamos, o que é necessário para o nosso bem-estar emocional. Já vi muitas situações desde acidentes graves, a queimados, a mortes, a nascimentos, mas a situação que até hoje me faz tremer é algo relacionado com crianças. Algo em que não possa e não consiga fazer a diferença para poder ajudar aquele ser indefeso. Uma situação difícil por que passei foi uma criança de 12 anos em paragem cardiorrespiratória, com cancro no pulmão, na qual tinha uma carta médica para não reanimar. É uma sensação de impotência e infelicidade.
“DEVERIA HAVER UMA VALORIZAÇÃO DOS BOMBEIROS”
CL – É fácil ser bombeiro voluntário em Portugal? O que falta fazer, por parte das autoridades, para melhorar a situação dos bombeiros voluntários em Portugal?
MB – Mais de 90 por cento dos bombeiros portugueses são voluntários, que colocam a vida em risco para combater as chamas e ajudar os outros, sem pedir nada em troca. Deveria haver uma valorização dos bombeiros, quer com apoio a nível financeiro, quer com incentivo ao voluntariado. Os bombeiros deveriam ter benefícios fiscais e ter regalias a vários níveis (água, luz, escolas,) e apoio psicológico disponível e gratuito.
CL – Em que corporação está o seu marido? É bombeiro voluntário ou profissional? Tem outra actividade profissional?
MB – É bombeiro voluntário nos Bombeiros de Loures há 21 anos. Já foi bombeiro profissional, mas neste momento exerce funções apenas como voluntário e como tripulante de ambulância de transporte numa empresa de transporte de doentes privada.
CL – Quando conta terminar a sua licenciatura em Educação?
MB – Pelos meus planos, e se tudo correr pelo melhor, terminarei no próximo ano lectivo.