Tiago Stock Faria, de 18 anos, foi o grande vencedor da 10.ª edição de ‘Capítulo Perfeito’, uma competição especial de Surf dedicada aos tubos, realizada no passado dia 18 de Fevereiro, na praia de Carcavelos, que registou uma verdadeira enchente de público, entusiasmado com a prestação dos 16 concorrentes que disputaram este importante título.
A prova patrocinada pela marca Billabong e promovida por Rui Costa, em colaboração com a Câmara Municipal de Cascais, teve no surfista de Carcavelos, atleta do Centro Recreativo e Cultural Quinta dos Lombos (CRCQL), um vencedor inesperado, que surpreendeu os opositores com uma prestação que não deu hipóteses à concorrência.
A competir em casa, Tiago Stock Faria totalizou na final da prova 9,75 pontos, obtidos nas duas melhores ondas que surfou, superando o campeão e experiente surfista norte-americano Rob Machado, que ficou na segunda posição, com 5,25 pontos, e o porto-riquenho Dylan Graves, que terminou em terceiro lugar, com 2,60 pontos. O quarto posto foi assegurado por outro norte-americano, Balaram Stack, com 1,25 pontos.
Recorde-se que o surfista carcavelense do CRCQL assegurou o último lugar vago para integrar o grupo de 16 participantes na competição, por ‘wild-card’, ao vencer uma prova de triagem promovida pela União das Freguesias de Carcavelos e Parede, realizada a 10 de Janeiro, destinada a apurar um surfista local para fechar a lista de candidatos ao título de ‘rei dos tubos’, a manobra rainha do Surf.
Estreante numa final de Capítulo Perfeito, Tiago Stock Faria fez uso do excelente conhecimento que tem da praia de Carcavelos, onde aprendeu a surfar ainda muito jovem, para escolher as melhores ondas, beneficiando ainda do apoio das mais de 20 mil pessoas que acompanharam a prova no areal de Carcavelos, que não regatearam aplausos ao vencedor celebrando de forma efusiva a sua vitória.
EMOÇÕES PARTILHADAS COM O IRMÃO AFONSO
No momento de festejar a vitória no areal de Carcavelos, o surfista carcavelense partilhou a emoção com o irmão mais velho, Afonso Stock Faria, de 25 anos, num abraço fraterno que não deixou ninguém indiferente. Os dois formam uma equipa inseparável que tem participado em provas de Surf Adaptado, onde têm vindo, também, a dar que falar, mercê das boas prestações e prémios conquistados.
Um amante inabalável do Surf, Afonso foi o grande responsável por fazer despontar em Tiago o gosto de ‘cavalgar’ as ondas de Carcavelos, quando este ainda era bastante jovem. Anos mais tarde, o irmão mais velho, então com 16 anos, foi vítima de um violento acidente de viação, ocorrido em Novembro de 2014, tendo sofrido um traumatismo craniano grave que o deixou em coma durante três meses.
Depois de um longo processo de recuperação, difícil, duro, que envolveu os esforços de toda a família e amigos, a paixão pelo Surf manteve-se inalterada e os dois irmãos voltaram a enfrentar juntos os desafios das ondas de Carcavelos. Lado a lado, inseparáveis, formaram uma dupla que tem vindo a participar em competições internacionais de Surf Adaptado, integrando uma equipa da Selecção Nacional.
No passado, era o Afonso que treinava o Tiago, que via o irmão como um ídolo. Entretanto, com as mudanças operadas, a relação readaptou-se à nova realidade. Agora, é o irmão mais novo que ajuda o mais velho a entrar dentro de água. João Jardim Aranha, presidente da Federação Portuguesa de Surf, vê esta dupla como uma equipa de sucesso, “pela entrega, talento e espírito de união existente entre os dois irmãos”.
Os manos Stock conquistaram uma medalha de bronze no Campeonato Europeu de Surf Adaptado, realizado em Valdovino (Espanha), em Julho de 2023, na categoria de Prone 2. Nesta mesma categoria, a equipa assegurou ainda uma boa prestação na sua estreia na Selecção Nacional que disputou o Campeonato do Mundo de Surf Adaptado da Associação Internacional de Surf, que decorreu em Huntington Beach (Califórnia, EUA), em Novembro passado.
O jornal ‘O Correio da Linha’ esteve à conversa com Tiago Stock Faria sobre a sua vitória surpresa no evento ‘Capítulo Perfeito’, prova que foi disputado por vários surfistas campeões internacionais e anteriores vencedores em Carcavelos, e as consequências deste triunfo, e sobre a sua dupla com o irmão mais velho, Afonso, nas provas internacionais de Surf Adaptado que têm vindo a disputar com assinalável sucesso e reconhecidas expectativas.
“CONEXÃO COM O MAR LEVOU-ME À VITÓRIA”
Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – Estava à espera de vencer a edição deste ano de ‘Capítulo Perfeito’?
Tiago Stock Faria (TSF) – Não, não estava. Mas estava muito confiante que podia alcançar um bom resultado.
CL – O que sentiu ao ver confirmada a sua vitória?
TSF – Fiquei agradecido. Realizado. Muito feliz.
CL – De um ‘wild card’ para a final e para a vitória, no seu primeiro acesso à fase final desta competição. Qual foi o segredo?
TSF – Surfar muitas horas em Carcavelos e uma grande conexão com o mar, foi o que me levou à vitória.
CL – Uma vitória muito importante para a sua carreira, a surfar em casa, perante o seu público, amigos e colegas. Foi uma grande emoção?
TSF – Sim, foi uma emoção gigante. Inacreditável. Nem tenho palavras para descrever! É muita coisa a acontecer ao mesmo tempo, a praia cheia, os amigos…
CL – Dos restantes candidatos, qual foi o mais difícil, que deu mais luta, que lhe incutia mais respeito?
TSF – O Rob Machado, porque sinto que é uma pessoa que tem uma grande conexão com o oceano e parece que as coisas lhe saem naturalmente.
CL – Em que medida é que esta vitória pode vir alterar o seu futuro? Há quem já se refira a si como a nova estrela do Surf português. É uma grande responsabilidade?
TSF – Esta vitória deu-me bastante exposição mediática e levou o meu nome além-fronteiras. Pode, por exemplo, ajudar-me a arranjar patrocínios, que são fundamentais para a minha carreira no Surf. Por outro lado, reforça a minha responsabilidade em continuar o trabalho que tenho vindo a desenvolver e o meu foco no Surf, que, como se viu, acabou por dar resultados.
CL – O que está previsto em termos de competição para este ano? Quais as próximas provas em que vai participar?
TSF – Os Nacionais, Liga Meo, Pro Junior Europeu e eventos especiais (por convite), caso aconteçam este ano.
“EU E O MEU IRMÃO SOMOS UMA EQUIPA”
CL – Quando começou a praticar Surf?
TSF – Comecei por volta dos cinco anos e tive a minha primeira competição aos oito.
CL – O que o levou a optar por esta modalidade?
TSF – Segui o caminho do meu irmão mais velho, o Afonso Faria, que foi quem me iniciou no Surf. Hoje em dia, somos uma equipa.
CL – Como é que ganhou a alcunha de ‘Tigre’?
TSF – Dão-me esta alcunha desde que me lembro. Pelo que me contam, quando era miúdo (talvez aos três anos), tinha a mania de imitar e rugir como um tigre.
CL – Quem é o seu treinador? Desde quando?
TSF – O meu treinador actual é o António Pedro Fernandez. Começámos a treinar há cerca de cinco anos.
CL – Em que clube está inscrito?
TSF – Estou inscrito no Centro Recreativo e Cultural Quinta dos Lombos (CRCQL).
CL – Quantas horas treina por dia/semana?
TSF – Treino, em média, entre três e quatro horas por dia no mar e três vezes por semana no ginásio.
CL – Onde costuma treinar?
TSF – A maior parte das vezes, treino em Carcavelos, mas também faço treinos regulares noutras zonas do País, como, por exemplo, na Ericeira e em Peniche.
CL – Qual o seu maior desejo enquanto surfista?
TSF – Ser surfista profissional.
CL – Em que local mais gostou de praticar Surf?
TSF – Na Figueira da Foz.
CL – Se fosse possível, onde mais gostaria de praticar Surf?
TSF – No Hawai, Indonésia e México.
CL – Quais os seus surfistas preferidos, a nível nacional e internacional?
TSF – A nível nacional, Pedro Boonman. E a nível internacional, Ethan Ewing.
CL – Com que mais troféus conta no seu palmarés?
TSF – Ganhei os trials do ‘Capítulo Perfeito’ em 2024 e ganhei o ‘Expression Sessions’ na Liga Meo 2023 – Ericeira.
CL – Em que área está a estudar?
TSF – No 12º ano estava na área de Economia. Agora, vou tirar o curso de treinador de Surf.
CL – Com que apoios conta? Tem patrocinadores?
TSF – Neste momento, conto com os apoios de: Lacrau Surfboards, Johnny Surf Store e Basic Method. E tenho o apoio da família e dos amigos. Neste momento, estou à procura de patrocinadores.
CL – Qual a mensagem que gostaria de deixar a outros jovens que desejem vir a praticar Surf de forma mais séria?
TSF – Acima de tudo, acreditar que na vida é possível alcançar os nossos sonhos quando trabalhamos nesse sentido. Relativamente ao Surf, é sem dúvida uma modalidade que nos ajuda a conectar com a Natureza, nomeadamente com os oceanos, e que nos ajuda a relaxar e a libertarmo-nos dos problemas.
“ÀS VEZES, O SILÊNCIO DIZ TUDO”
CL – Costuma fazer equipa com o seu irmão Afonso em provas de Surf Adaptado. Durante os festejos da sua vitória no ‘Capítulo Perfeito’ deu-lhe um forte e sentido abraço. O que disseram um ao outro?
TSF – Não dissemos nada. Às vezes, o silêncio diz tudo. O nosso abraço representou o sonho dos dois alcançado naquele momento.
CL – Quando participam juntos em provas de Surf Adaptado, quem mais os acompanha? Quem são os restantes elementos da vossa equipa de apoio?
TSF – Para além de mim e do meu irmão Afonso, a equipa é composta pelo seu treinador Bernardo Cancela de Abreu. O apoio de terra e na água é prestado por José Marques e pelo meu pai, José Pedro Faria.
CL – O Surf Adaptado é devidamente apoiado em Portugal?
TSF – Não, de todo. Praticamente não há apoios para esta modalidade nem infraestruturas que facilitem a vida aos praticantes. Por este motivo, também há poucas pessoas a praticar a modalidade. Existem já algumas associações, como a Surf Addict, que tem feito um trabalho notável nesta área. Todos os fins-de-semana, desenvolve o pólo terapêutico, com uma equipa de treinadores e voluntários que permite o desenvolvimento da modalidade na praia de Carcavelos. Realizam também diversas acções ao longo do ano em diversos pontos do País. Nesse sentido, têm sido um dos grandes veículos de promoção da modalidade.
No Norte, existe ainda o Surf Clube de Viana, onde a atleta Marta Paço (tricampeã mundial de Surf Adaptado, na classe VI1, para atletas com deficiência visual) treina e penso que também tem desenvolvido a modalidade. Mas estas associações precisam de apoios para poderem proporcionar condições para que os atletas e respectivas equipas possam treinar.
CL – Quais as principais dificuldades que sentem para poder representar o País em competições internacionais de Surf Adaptado? Contam com algum tipo de apoio? Qual?
TSF – As principais dificuldades prendem-se com a falta de apoios financeiros e logísticos para poder treinar com maior regularidade e formar equipas. É preciso financiar as deslocações e toda a logística das equipas, que são muito mais numerosas, pois os atletas do Surf Adaptado nunca participam sozinhos, precisam sempre de apoios, como cuidadores, ajudantes, etc., ou seja, os custos são sempre a multiplicar por três ou quatro.
CL – Ainda não há provas de Surf Adaptado em Portugal? O que pensa disso?
TSF – É uma realidade que devemos mudar. São precisos apoios para conquistar mais praticantes para a modalidade e aumentar, assim, o número de atletas que queiram competir no Surf Adaptado. Por outro lado, faltam infraestruturas de acesso às praias e ao mar, como as passadeiras, que só estão disponíveis nas praias durante o Verão. Também é preciso contar com outros apoios, como os tiralôs ou motas 4×4 disponíveis, que possam ajudar na deslocação dos atletas até ao mar. Este é sempre um grande obstáculo, porque os atletas não são autónomos nem têm mobilidade para poderem fazer o caminho até à beira-mar.
CL – A vossa equipa conquistou a medalha de bronze na estreia do seu irmão no Campeonato Europeu ParaSurf em Valdovino, em Julho do ano passado. E também participou no Campeonato do Mundo Para Surfing da Associação Internacional de Surf (ISA), que se realizou, em Novembro de 2023, na Califórnia, integrando a equipa da Selecção Portuguesa. O que representaram estas presenças em importantes provas realizadas além-fronteiras?
TSF – São provas muito importantes para ganhar experiência e ritmo competitivo. Por outro lado, o facto de contactar com um público alargado de atletas faz-nos perceber o contexto em que vivem e as dificuldades/obstáculos diários que estes participantes enfrentam.
Quando participamos em provas de Surf Adaptado e vivemos o dia-a-dia destas pessoas, percebemos que temos que dar mais valor à vida e a tudo o que temos. É ainda um grande orgulho poder representar o nosso País e ‘vestir’ as cores da Bandeira Portuguesa!
CL – Quais as próximas provas em que vão participar juntos?
TSF – Acabámos de participar na primeira prova da Copa de Espanha, que se realizou em Mazárron no dia 24 de Fevereiro, e da qual saímos com o primeiro lugar na categoria Prone 2. Ainda este ano, prevemos participar, também, nos campeonatos espanhol e francês de Surf Adaptado, promovidos pelas respectivas Federações.