A Inteligência Artificial (IA) veio introduzir uma multiplicidade de novas dinâmicas que prometem trazer tantos benefícios ao desenvolvimento almejado pela Humanidade, realçados pelos seus defensores, como controvérsias e riscos, assinalados pelos seus detratores, que temem as consequências desse futuro anunciado, inevitável. Envolta em anseios e receios, a IA está actualmente no centro de todas as atenções e promete manter-se assim ao longo dos próximos tempos.
Para uns, as potencialidades geradas poderão vir a revelar-se prejudiciais à sociedade. Argumentam que a possibilidade de poder substituir o Homem pela máquina em muitas funções pode vir a fugir ao controlo do seu criador, que enfrentará uma capacidade criativa destituída de alma, fria, sem Humanidade, até perigosa, alegam. Para outros, a IA poderá abrir novos horizontes até aqui inimagináveis, muito para além do sonho humano. Serão os algoritmos o novo Deus? Poderá ser criado um algoritmo de Deus?
Estes e outros assuntos foram temas de uma conversa que mantivemos com a cientista Carla Sofia Rocha da Silva, que tem vindo a desenvolver o seu percurso profissional em torno da IA. Professora Auxiliar na Universidade Atlântica e Professora Associada no Instituto Superior de Tecnologias Avançadas de Lisboa, na área das Ciências de Computação, a nossa interlocutora tem o seu foco de pesquisa e investigação sintonizado em várias áreas ligadas à IA, nomeadamente em Decision Making e Data Mining, Machine Learning e Elearning Software.
Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – Em dez palavras, como podemos definir Inteligência Artificial?
Carla Silva (CS) – Simulação de capacidades humanas, em máquinas, para resolver problemas complexos.
CL – Quais as principais virtudes da IA?
CS – A IA ostenta uma série de virtudes intrínsecas que a posicionam como uma ferramenta de culto no cenário contemporâneo. Em primeiro lugar, a eficiência é uma das marcas distintivas. A capacidade de processar informações e executar tarefas com rapidez e consistência, sem fadiga, torna-a numa aliada inestimável numa variedade multisectorial de domínios. Relaciona variáveis e/ou factos numa quantidade e complexidade de informação em segundos, nos quais o ser humano poderia levar meses ou anos a atingir. A precisão é outra virtude primordial da IA, pois a sua habilidade de realizar cálculos e análises com extrema exatidão minimiza erros humanos, particularmente em tarefas repetitivas e críticas.
A partir disso, emerge a escalabilidade, permitindo que responda a necessidades crescentes sem perda de qualidade, uma característica que é de suma importância na era da informação. A aprendizagem contínua é outra característica da IA, tornando-a adaptável a mudanças e actualizações constantes. Isso impulsiona a automação de processos complexos, libertando recursos humanos para tarefas de maior esforço. Também a capacidade de analisar vastos volumes de dados é uma das proezas mais notáveis da IA, possibilitando insights (informações) valiosos e tomada de decisões baseada em dados, um elemento crítico em ambientes competitivos.
Além disso, a IA reduz consideravelmente a incidência de erros humanos, um benefício que não pode ser subestimado, especialmente em sectores onde erros podem ter implicações sérias. Oferece, acima de tudo, assistência em tarefas complexas, funcionando como uma espécie de mentor virtual, proporcionando soluções e orientação em momentos de desafio. Por último, mas não menos importante, a IA alimenta o potencial para inovação, abrindo novos horizontes de possibilidades em áreas como a Medicina, Pesquisa Científica e Indústria, que, até então, eram inexplorados.
Ou seja, a IA, com virtudes multifacetadas, emerge como um catalisador para a transformação em diversas esferas da Sociedade, enriquecendo o panorama da tecnologia e da inovação sem precedentes.
CL – Quais são os principais desafios da IA?
CS – Na trajectória incessante da IA, surgem desafios significativos que merecem uma atenção ponderada. Em primeiro lugar, a IA enfrenta obstáculos relacionados com a sua própria complexidade. O desenvolvimento de sistemas inteligentes que possam realmente simular a cognição humana é uma tarefa árdua e suscita indagações profundas sobre a compreensão da mente humana.
Um dos desafios mais prementes é o da interpretação. À medida que os modelos de IA se tornam mais sofisticados, a tomada de decisão torna-se opaca, o que gera preocupações éticas e jurídicas. A capacidade de entender e explicar o raciocínio subjacente destes sistemas é vital para garantir confiança e responsabilização pela tomada de decisão.
CL – Podemos referir questões de ética e preocupações com a segurança…
CS – A IA enfrenta dilemas éticos, incluindo a questão do enviesamento algorítmico. Modelos de IA podem perpetuar preconceitos existentes nos dados de treino, levantando questões de justiça e equidade. Mitigar esses enviesamentos é um desafio crucial.
A segurança informática é uma outra área de preocupação. À medida que a IA se torna omnipresente, ela abre portas para ataques. Garantir a protecção dos sistemas de IA e dos dados que alimentam esses sistemas é uma tarefa desafiadora.
“OS DESAFIOS DA IA SÃO DIVERSOS E MULTIFACETADOS”
CL – E também tem gerado receios relativamente à perda de empregos…
CS – A IA suscita preocupações sobre o emprego, à medida que a automação avança, pois a substituição de empregos por máquinas inteligentes é um tema delicado que exige a requalificação da força de trabalho e políticas de mitigação.
A IA é confrontada com dilemas legais e regulatórios, e por consequência a ausência de quadros normativos claros e uniformes em relação a sistemas autónomos e responsabilidade legal cria incertezas significativas.
Em suma, os desafios da IA são diversos e multifacetados, abrangendo desde questões filosóficas sobre a natureza da inteligência até preocupações éticas, legais e práticas sobre o seu uso. Enfrentar esses desafios requer uma abordagem holística e colaborativa que envolva a comunidade académica, a indústria, os reguladores e a Sociedade como um todo.
CL – Consegue identificar inconvenientes/malefícios na IA, como alguns apontam, ou só antevê benefícios?
CS – A IA, embora promissora, carrega consigo uma série de inconvenientes e potenciais malefícios. Ela pode perpetuar preconceitos, ameaçar a privacidade, desencadear desemprego tecnológico e criar dependência excessiva. A ética da IA é frequentemente questionada, com preocupações sobre uso antiético, como vigilância em massa e manipulação.
Além disso, a interacção crescente com a IA pode levar ao isolamento social e aumentar custos de desenvolvimento que podem criar disparidades de acesso. A questão da responsabilidade legal em caso de erros de sistemas autónomos também permanece incerta. Assim, enquanto a IA traz oportunidades notáveis, a sua adopção responsável e regulamentação adequada são cruciais para mitigar esses desafios.
CL – Um dos principais receios das pessoas é que a IA possa vir a provocar uma percentagem acentuada de desemprego. Como podemos tranquilizar quem assim pensa?
CS – A preocupação com o desemprego devido à IA é válida, mas podemos abordá-la com argumentos baseados em pesquisas e análises académicas. Em primeiro lugar, a história da automação demonstra que, ao longo do tempo, novas tecnologias criam novos empregos. A IA pode eliminar tarefas repetitivas, libertando trabalhadores para funções mais criativas e estratégicas. Além disso, a IA pode ser uma ferramenta para aprimorar habilidades e aumentar a produtividade, não necessariamente substituir trabalhadores.
A requalificação da força de trabalho é fundamental, e a educação contínua pode preparar as pessoas para trabalhar ao lado da IA. Políticas de apoio, como a criação de empregos na indústria de tecnologia e regulamentações cuidadosas para garantir a equidade no mercado de trabalho, são essenciais.
Segundo o relatório International Labour Organization, as mulheres representam 7,8% e os homens 2,9% para trabalhos substituídos por mecânica de automação. Por outro lado, quando se fala da optimização dos trabalhos a realçar, surge mais equilibrada, com as mulheres a representar 15,1% dessa transformação e os homens a representar cerca de 12% dessa possibilidade.
Em resumo, embora existam desafios, a IA também traz oportunidades de crescimento económico e profissional, desde que sejam implementadas abordagens equilibradas e orientadas para a educação e formação.
CL – A IA vai lançar a Humanidade num Mundo mais frio, desumanizado, ao ajudar os políticos a tomar decisões, em que a racionalidade e eficácia possam colidir com necessidades sociais que possam requerer outro tipo de respostas?
CS – A influência da IA nas decisões políticas é um tópico complexo e controverso. Enquanto a IA oferece vantagens em termos de eficiência e análise de dados, o seu uso desorientado de considerações humanitárias pode levantar preocupações. A decisão política envolve nuances éticas e sociais que a IA, pela sua natureza, pode não entender plenamente. Portanto, é crucial que a IA seja usada como uma ferramenta de apoio, em vez de substituir o julgamento humano. Políticos e governos devem equilibrar a eficácia da IA com a sensibilidade às necessidades sociais e a consideração das implicações éticas, garantindo que as decisões políticas continuem a reflectir valores humanos fundamentais.
GOVERNANÇA CUIDADOSA PARA ENFRENTAR DESAFIOS EMERGENTES
CL – Que tipo de alterações antevê que a IA possa trazer às sociedades actuais?
CS – A IA está destinada a provocar transformações profundas na sociedade actual. No âmbito económico, a automação e optimização de processos impulsionadas pela IA podem criar eficiências notáveis, mas também enaltecer o debate sobre o desemprego tecnológico.
Sectores como a Saúde vão observar benefícios significativos, com diagnósticos mais precisos e tratamentos personalizados, ainda que questões de privacidade e segurança de dados estejam no horizonte. Esta ciência tornará a Educação mais acessível e personalizada, enriquecendo a experiência de aprendizagem, mas irá requerer mais atenção à equidade no acesso.
Além disso, a política será influenciada pela IA, auxiliando na tomada de decisão e análises de políticas públicas. Entretanto, equilibrar eficiência e considerações éticas e sociais será um desafio constante. A IA moldará as sociedades de maneira multifacetada, oferecendo oportunidades substanciais, mas exigirá uma governança cuidadosa para enfrentar desafios emergentes e garantir que os benefícios sejam distribuídos equitativamente.
CL – Num Mundo onde coexistem diferentes ritmos de desenvolvimento, a IA pode vir a aumentar ainda mais as diferenças entre as sociedades mais apetrechadas tecnologicamente e as restantes?
CS – A IA tem o potencial de acentuar as disparidades globais, ampliando o fosso entre sociedades tecnologicamente avançadas e aquelas com menor acesso e capacidade tecnológica. O acesso desigual à IA e a sua influência na Economia e Educação podem exacerbar as diferenças socioeconómicas. Como referi anteriormente, políticas cuidadosamente elaboradas para promover a equidade no desenvolvimento e uso da IA são essenciais para mitigar essas disparidades crescentes.
CL – Em que áreas é que a IA vai fazer mais diferença no suprimento das necessidades humanas?
CS – A IA terá um impacto substancial no atendimento das necessidades humanas em várias esferas. Na Medicina, aprimorará diagnósticos, tratamentos personalizados e descobertas médicas. Na Agricultura, optimizará a produção de alimentos, melhorando a segurança alimentar. A Mobilidade verá avanços com veículos autónomos e sistemas de transporte inteligentes, tornando o deslocamento mais eficiente e seguro. A Educação beneficiará com a personalização da aprendizagem, adaptando-se às necessidades individuais dos alunos. Além disso, a IA influenciará também a gestão sustentável da energia, reduzindo o consumo e impulsionando fontes de energia limpa. Em resumo, a IA transformará muitos aspectos fundamentais da vida humana, aprimorando o suprimento de necessidades críticas.
CL – Em que domínios desenvolve as suas investigações?
CS – Eu trabalho numa área muito específica da Algoritmia. Actualmente, estou focada na investigação no campo da optimização de algoritmos e ‘machine learning’. Estou a explorar formas de melhorar a eficiência e a precisão de algoritmos em tarefas complexas, como optimização de recursos em redes de distribuição e optimizando algoritmos de aprendizagem para análise de dados em grande escala. Estou interessada, acima de tudo, em aplicações práticas da IA em áreas como áreas saúde e sustentabilidade, buscando formas de utilizar algoritmos avançados para resolver problemas do mundo real. As minhas investigações visam desenvolver soluções algorítmicas e contribuir para avanços tecnológicos e científicos.
CL – Como professora das futuras gerações, que ideias mais importantes sobre a IA procura transmitir aos seus alunos?
CS – Como cientista, acredito profundamente no poder da Educação para capacitar as gerações futuras a lidar com a IA. Recordo-me de ser aluna e olhar para os professores que admirava e querer alcançar conhecimento, gostava de conseguir atingir este mesmo objectivo com os meus alunos. Tento transmitir-lhes não apenas conhecimento técnico, mas também valores fundamentais, no quanto me for possível demonstrar em sala de aula.
Estou comprometida em inspirar curiosidade, criatividade e a ética em relação à IA. Desejo que os meus alunos compreendam que a IA é uma ferramenta poderosa, mas que o seu uso deve ser conduzido com responsabilidade e consideração pelo impacto social. Acredito que, ao formar e treinar as futuras mentes brilhantes, estamos a moldar um futuro em que a IA pode ser uma força positiva para resolver desafios globais e criar um Mundo mais justo e equitativo. É esta a visão que guia o meu trabalho.
CL – Portugal está bem preparado para enfrentar os desafios trazidos pela IA?
CS – Portugal está a fazer um esforço de forma a preparar-se para os desafios desenvolvidos pela IA, mas há espaço para melhorias. O País tem investido em pesquisa e educação em IA, com instituições de ensino e desenvolvimento que procuram liderar em áreas específicas. No entanto, ainda há uma necessidade de incentivar a inovação e a adopção de IA em empresas e sectores tradicionais. Questões de regulamentação e ética também precisam de ser abordadas de forma mais abrangente. A colaboração entre sector público, privado e académico é fundamental para criar uma estratégia nacional de IA coesa. Portugal tem potencial para enfrentar esses desafios, mas precisa de um esforço coordenado para garantir que a IA beneficie a Sociedade como um todo.
“A RETENÇÃO DE TALENTOS É VITAL PARA O CRESCIMENTO DO PAÍS”
CL – Quais as áreas que os jovens procuram mais ao apostarem numa formação no domínio da IA?
CS – Os jovens que optam por se especializar em IA estão a concentrar esforços em diversas áreas emocionantes e essenciais. A análise de dados, conhecida como Ciência de Dados, está no topo da lista, já que a IA depende de dados para tomar decisões inteligentes. Além disso, os processos em Machine Learning são uma área muito importante, permitindo que os jovens desenvolvam algoritmos que melhoram com a experiência, uma pedra angular da IA.
A Engenharia de Software é outra escolha popular, pois é necessário conhecimento de programação completa – full stack developer – para desenvolver sistemas de IA. Além disso, a ética e responsabilidade da IA estão a ganhar importância, pois a sociedade exige que a IA seja usada de maneira justa e responsável.
Também a Robótica é uma área fascinante, que associa IA com sistemas físicos, enquanto os fundamentos sólidos de Ciência da Computação e Matemática são indispensáveis para compreender os princípios subjacentes da IA. Conforme a tecnologia evolui, os jovens seguem o ritmo, buscando formação em áreas que moldarão o futuro da IA.
CL – Portugal está a exportar muitos jovens recém-formados nas Ciências da Computação. Não temos capacidade no mercado de trabalho e no domínio da investigação para absorver os talentos que formamos?
CS – Não tenho bem a certeza se será por essa razão, mas concordo que a emigração de jovens talentos em Ciências da Computação é uma preocupação legítima em Portugal. Embora o País tenha feito avanços notáveis na formação de profissionais de tecnologia, a capacidade do mercado de trabalho e da inovação/tecnologia para absorver esses talentos ainda é um desafio. A procura por peritos em Ciências da Computação no mercado nacional pode não ser suficiente para a abundante oferta de diplomados. Além disso, investimentos em pesquisa e desenvolvimento em instituições académicas enfrentam, frequentemente, restrições orçamentárias.
Para reter talentos, Portugal deve investir em pesquisa, fortalecer a colaboração entre o sector privado e as instituições académicas, e criar políticas que incentivem a permanência de profissionais qualificados. A retenção de talentos é vital para o crescimento do País e para garantir que a inovação tecnológica contribua para o desenvolvimento sustentável a longo prazo.
CL – Quais as áreas da IA que mais podem impulsionar Portugal rumo ao desenvolvimento?
CS – Portugal tem o potencial de se destacar em várias áreas da IA que podem impulsionar o seu desenvolvimento. Na Saúde, a IA pode melhorar o diagnóstico médico e a pesquisa em medicina personalizada. No Turismo e hospitalidade, a personalização de experiências e optimização de rotas são áreas promissoras. A Agricultura pode também beneficiar da IA para monitorar e optimizar a produção. A energia pode ser gerida de forma mais eficiente com a IA, contribuindo para a sustentabilidade. A Indústria, a Educação e a Segurança Informática oferecem igualmente oportunidades significativas para a IA.
Para aproveitar todo este potencial, Portugal deve investir em pesquisa, educação e colaboração público-privada. A criação de políticas e regulamentações adequadas é fundamental para promover a inovação e o uso responsável da IA. Portugal tem os ingredientes necessários para se tornar um centro de excelência em IA e impulsionar o seu desenvolvimento de forma significativa.
CL – Participou, em 2021, na conferência ‘Capital Europeia da Economia Social’. Que oportunidades e desafios se colocam na transição digital para a Economia Social?
CS – Participar na conferência ‘Capital Europeia da Economia Social 2021’ proporcionou-me uma visão abrangente sobre as complexas oportunidades e desafios inerentes à transição digital na Economia Social. Nesse cenário, as organizações orientadas para objectivos sociais enfrentam um emocionante leque de possibilidades. A digitalização oferece oportunidades de eficiência operacional, permitindo que essas organizações reduzam custos administrativos e melhorem a prestação de serviços.
Além disso, a tecnologia fortalece a relação comunitária, promovendo a participação activa e uma comunicação directa com os beneficiários. Contudo, precisam de ser superados desafios importantes. Garantir um amplo acesso às ferramentas digitais é fundamental para evitar a exclusão de partes da sociedade. A privacidade e a segurança de dados também devem ser mantidas em alta consideração. De salientar ainda que muitas organizações da Economia Social podem precisar de formação e capacitação para adoptar com eficácia soluções digitais.
No centro de toda essa transição está a necessidade de preservar a equidade e não aprofundar desigualdades sociais. A digitalização na Economia Social deve ser conduzida de forma ética e inclusiva, assegurando que todos tenham oportunidade de beneficiar das inovações tecnológicas. Creio que, acima de tudo, e costumo dizer isto aos meus alunos, as sociedades, de forma generalizada, precisam de ter tempo de ‘aculturizar’ os conceitos relacionados com a IA.
“SE NÃO NOS ADAPTARMOS VAMOS EXTINGUIR-NOS COMO HOMO SAPIENS SAPIENS”
CL – A IA vai solucionar todas as dúvidas ainda por responder da Humanidade?
CS – O que me questiona faz-me sorrir, principalmente porque está perante uma investigadora que tem uma premissa de alcançar um algoritmo universal, capaz de resolver todos os mistérios…. é um sonho. A IA é uma ferramenta valiosa para auxiliar na resolução de problemas complexos, mas a busca por respostas a todas as perguntas da Humanidade é um empreendimento que envolve não apenas a tecnologia, mas também a filosofia, a ética e o pensamento humano, embora eu acredito que a matemática computacional tem muito a dizer sobre isto.
CL – Os algoritmos são o novo Deus, como alguns alegam? Tomaram o lugar dEle? Existe um algoritmo de Deus? Pode levar-nos mais próximo dEle, ou afastar-nos cada vez mais da Religião?
CS – Esta sua questão encaixa para mim, como uma indagação constante, como profissional mas também como Indivíduo. Parece que adivinhou todas as minhas inquietações. Estou neste momento a escrever um livro que indaga estes temas. A ideia de que os algoritmos são o ‘novo Deus’ é uma metáfora fascinante que reflecte a transformação radical que a tecnologia e a IA trouxeram às nossas vidas. Os algoritmos, de facto, desempenham um papel cada vez mais central na nossa existência, moldando o que vemos, lemos e experienciamos no mundo digital. No entanto, é fundamental lembrar que os algoritmos são criações humanas, ferramentas que reflectem o conhecimento e as intenções dos seus criadores. Eles não têm a profundidade espiritual, a empatia ou a moralidade associada a crenças religiosas, que nos retrata como humanos. A tecnologia pode aproximar-nos de informações e conhecimentos, mas não pode preencher o vazio espiritual ou a procura por significado que muitos encontram na religião.
A relação entre tecnologia e religião é complexa. A tecnologia pode facilitar a prática religiosa, a conexão com comunidades religiosas e a disseminação de projecção de valores. No entanto, também apresenta desafios éticos e questões de privacidade que precisam de ser abordadas com sensibilidade. Em última análise, os algoritmos são ferramentas poderosas, mas a busca por significado e espiritualidade continua a ser uma jornada profundamente pessoal. Eles não substituem a conexão humana, a empatia e a reflexão que muitos encontram nas suas práticas religiosas. A tecnologia pode guiar-nos, mas a busca pela fé e pelo significado permanece uma jornada única e profunda para cada indivíduo.
Acredito, contudo, como cientista, que o Homem deve adaptar-se à inovação, à tecnologia e evoluir como espécie. Se não nos adaptarmos vamos extinguir-nos como Homo Sapiens sapiens. A Vida não vai cessar, pode é não evoluir como desejamos ou ambicionamos.
CL – Quem estiver na posse do algoritmo mais potente, pode ter a possibilidade de dominar o Mundo?
CS – Esta pergunta é muito interessante, levar-me-ia a questioná-lo sobre o que entende por um algoritmo mais potente? A ideia de que alguém que possua o algoritmo mais potente possa, automaticamente, conquistar a dominação mundial é uma narrativa frequentemente retratada na ficção e em discussões sobre tecnologia e poder. No entanto, a realidade é muito mais intrincada do que essa narrativa simplista. Algoritmos são ferramentas poderosíssimas, capazes de realizar tarefas complexas e moldar as nossas vidas de muitas maneiras. No entanto, o seu poder é direccionado para tarefas específicas e contextos. Ter um algoritmo poderoso numa área não garante controle sobre todos os aspectos do Mundo.
Além disso, a ética desempenha um papel crítico. O uso de tecnologia e algoritmos para fins nefastos ou antiéticos levanta preocupações éticas e legais. A dominação mundial por meio da tecnologia seria amplamente condenada pela comunidade global.
O controle global é uma questão muito mais complexa, envolvendo uma rede intrincada de factores, incluindo Política, Economia, Cultura e Relações Internacionais. Governos, organizações internacionais e a sociedade civil têm o papel fundamental de regular e monitorizar o uso da tecnologia para evitar abusos de poder.
Portanto, embora a tecnologia tenha um papel fundamental no nosso mundo actual, a ideia de que um único algoritmo possa resultar em dominação mundial é uma narrativa simplista que não reflecte a complexidade do poder global e a necessidade de regulamentação e responsabilidade no uso da tecnologia. É preciso não esquecer que existe uma mão por detrás de quem constrói ou construiu o algoritmo e devemos ter sempre em atenção que não devemos ter receio do Algoritmo, mas sim das políticas ou falta delas na nossa sociedade.
CL – A IA permite-nos, hoje, poder ‘desfrutar’ de peças de Arte (Música, Cinema, Pintura, etc) baseadas no trabalho de artistas que nunca chegaram a criá-las. Ou ouvir discursos com a imagem de alguém que nunca os pronunciou. Ou manipular imagens que podem condicionar a percepção da realidade para benefício de alguns. É preciso impor limites à IA?
CS – A capacidade da IA de criar conteúdo falso, como obras de arte e vídeos manipulados, suscita preocupações éticas que exigem limites. Essas criações podem deturpar a integridade da informação, enganar o público e ameaçar a privacidade. Para preservar a confiança e a autenticidade, a regulamentação torna-se fundamental. As ‘deepfakes’, que substituem o rosto de alguém em vídeos, levantam questões de consentimento e privacidade.
Além disso, a criação de conteúdo inapropriado e prejudicial precisa ser controlada para garantir a segurança pública e o bem-estar das pessoas. Estabelecer regras que exijam a identificação de conteúdos desenvolvidos por IA, de forma a proteger a privacidade e que imponham penalizações pelo uso indevido é crucial para equilibrar a inovação tecnológica com a protecção de direitos individuais e a integridade da informação.
CL – O que se pode esperar do futuro da IA? Vamos ter um Homem cada vez mais dependente das Ciências da Computação, um Homem mais ocioso, ou mais aberto à criatividade?
CS – O futuro da IA é uma jornada emocionante e desafiadora que nos reserva um Mundo repleto de possibilidades. Eu sou apaixonada por esta área e logo vou ser tendenciosa, provavelmente. À medida que a IA se torna uma parte cada vez mais integrada das nossas vidas, podemos esperar uma maior automação de tarefas rotineiras, possibilitando um tempo precioso para nos dedicarmos a actividades mais criativas e significativas. Essa colaboração entre humanos e máquinas permitir-nos-á enfrentar desafios complexos, desde a exploração espacial até à resolução de problemas de saúde e ambientais.
Quanto à nossa dependência das Ciências da Computação, e não querendo enaltecer a minha área, é importante lembrar que a Tecnologia deve servir como uma ferramenta que nos capacita, não como uma muleta que nos torna passivos. Devemos cultivar competências humanas únicas, como criatividade, empatia e resolução de problemas, para garantir que a IA optimize as nossas vidas em vez de nos tornar mais ociosos.
O futuro da IA é emocionante, diria quase espantoso, mas também exige que mantenhamos um equilíbrio sensato entre Tecnologia e Humanidade, sempre com o objectivo de promover o bem-estar e o progresso da Sociedade. A Ciência deve estar sempre, sempre ao serviço da Humanidade, nunca o contrário.