Cláudia Sousa: “Devemos rir sempre, mesmo quando tudo vai mal”

O cartaz do espectáculo não deixa margem para dúvidas. ‘Sexo e Outras Merd@as´ está em digressão pelo País e tem registado casas cheias. A boa disposição e o à-vontade com que são tratados, sem resquícios de pudor, alguns temas, muitas vezes amordaçados durante anos por tabus fora de moda, resultam em explosões de gargalhada. No fundo, é este o maior objectivo de um artista de ‘stand up comedy’ quando sobe ao palco, quando ainda não mediu o pulso à plateia que vai enfrentar.

Sem medos na bagagem, Cláudia Sousa ousou aventurar-se num tipo de espectáculo habitualmente dominado por homens. Resoluta, tem mostrado que não são os preconceitos nem as dificuldades encontradas no caminho que vão fazê-la desistir do percurso que idealizou. Depois de cerca de década e meia a fazer rir as mulheres, sobretudo em eventos e reuniões particulares, mantém a aposta na nova fase da sua carreira artística, desta feita destinada ao público em geral. 

A humorista revela que coleccionou imensas histórias íntimas e engraçadas, partilhadas por muitas mulheres, durante a experiência acumulada com ‘A Maleta Vermelha’. Este projecto empresarial, “concebido por mulheres para mulheres”, desenvolvido com base em deslocações a casa das clientes para apresentar produtos eróticos “de forma cativante”, uma “alternativa lúdica, divertida, próxima, discreta e esclarecedora às tradicionais sex shops”, foi a principal fonte de inspiração para os seus espectáculos. 

Com mais de 12 mil seguidores no Facebook, a humorista estreou-se nos palcos com a peça ‘Origens’, há cerca de seis anos. No período de apenas um ano, esgotou mais de 30 salas, abordando nos seus espectáculos vários assuntos tabu, sem papas na língua. Temas que os portugueses evitam comentar, mas que conseguem fazê-los rir. É o que acontece com as actuações de Cláudia Sousa, que está de regresso com um novo espectáculo, apresentado dia 23 de Setembro no Casino Estoril, onde voltou a actuar no dia 10 de Novembro.

Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – O projecto e os textos de ‘Sexo e Outras Merd@s’ são de sua autoria?

Cláudia Sousa (CS) – O espectáculo é maioritariamente de improviso, mas o pouco de texto que uso é meu, sim.

CL – ‘Sexo e Outra Merd@s’… Quais são as outras merd@s?

CS – Neste espectáculo, tento abordar temas tabus raramente falados em público, como a menstruação, as fezes, a flatulência, etc.. Muitas vezes estão ligados entre si e são coisas que acontecem a todos, mas parece que as pessoas têm medo de falar ou vergonha, por isso retraem-se de o fazer.

CL – Quanto tempo demora o espectáculo?

CS – O espectáculo tem uma duração aproximada de hora e meia. Contudo, às vezes, os espectadores não me deixam acabar, porque têm a sensação que foi pouco.

CL – Quantos elementos tem a equipa técnica que a acompanha?

CS – Para além de mim, a equipa é constituída por mais quatro pessoas: um técnico de som, duas assistentes de sala e a minha produtora, que trata de toda a burocracia. É ela que arranja as salas, ajuda-me com a roupa, com o cenário, etc..

“FORAM AS MINHAS CLIENTES QUE INSISTIRAM PARA QUE EU FOSSE PARA OS PALCOS”

CL – Na sua página no Facebook é referido que faz rir as mulheres há 14 anos. É difícil fazer rir as mulheres?

CS – Sim, há 14 anos que faço reuniões da ‘Maleta Vermelha’. Foram as minhas clientes, que de tanto rir, insistiram para que eu fosse para os palcos, levar o riso a mais gente. É tão difícil fazer uma mulher rir como um homem, julgo que não há diferença. Eu sei que as faço rir, porque falo de tudo do que elas gostariam de poder falar, de tudo o que todas nós mulheres passamos na intimidade e com que elas se identificam.

CL – No que diz respeito a temas relacionados com Sexo, o que costuma fazer rir as mulheres?

CS – As mulheres riem-se com situações incómodas por que passaram e pelo facto de sentirem que estou do lado delas, que também conheço bem o sexo masculino. Aliás, eu costumo dizer que tenho um lado masculino muito desenvolvido. Por vezes, quase sei o que o homem sente e como encara o que diz respeito ao sexo. E elas identificam-se com esse tipo de situações. Dizem-me muitas vezes: “Oh pá, é isso mesmo, tal e qual!”

CL – Os homens têm outro tipo de sentido de humor?

CS – Como disse anteriormente, não tem a ver com o sexo, mas sim com o gosto por diferentes tipos de humor. Mas o que acho que os faz rir mais é ver uma mulher, que os conhece tão bem, imitá-los.

CL – O que faz rir mais os portugueses?

CS – O que eles conseguem identificar e/ou o que os coloca no lugar do visado. Se fizer piadas sobre política e as disser a quem não entende nada de política, nem está atento ao que se passa no País e no Mundo, essa pessoa não vai rir. Da mesma forma, se fizer uma piada sobre algo que a pessoa nunca passou, ela também não vai rir. O bom do meu tema é que a maioria das coisas de que falo já foi vivida por quase toda a gente, como espectador ou actor. É por isso que conseguem identificar a situação vista de fora e colocada de forma engraçada. Isso é que vai provocar o riso.

CL – Os portugueses têm razões para rir?

CS – Eu sou da opinião que devemos rir sempre, mesmo quando tudo vai mal. Se não rirmos não vivemos ou vivemos muito infelizes, e isso não é viver. Claro que os portugueses têm razões para rir, temos um bom clima em comparação com outros países, somos um povo simpático, acolhedor, tradicional, mas sem grandes fanatismos, não temos uma taxa de violência e de assaltos muito alta, etc. Temos muitos pontos positivos e muitas razões para rir. Por vezes, é com as desgraças que nascem as melhores piadas. Quando ocorre uma desgraça surgem sempre muitas piadas e ‘memes’ à volta delas.

“O HUMOR TRAZ-NOS FELICIDADE”

CL – O humor é um bom ‘remédio’ para tempos difíceis? Ou um ‘medicamento’ aconselhável para todas as ocasiões?

CS – Se se usasse mais o humor, seríamos sem dúvida mais felizes. Se há algo que me deixa superfeliz e preenchida, e com a sensação de dever cumprido, é alguém com cancro ou com outra doença complicada assistir a um espectáculo meu, ou a uma reunião minha, estar a rir durante 1h30 ou 2h00 e, no final, dizer-me: “Durante este tempo, nem me lembrei que estava doente”.

Por vezes, sinto que esse é o meu propósito de vida, fazer rir as pessoas para as ajudar a curar e a esquecer as agruras da vida. Por alguma razão existem os médicos do riso nos hospitais, rir devia sempre fazer parte da cura, pois se o corpo estiver feliz vai curar mais rápido. As pessoas precisam de razões para lutar e a sensação de rir é igual à sensação de felicidade. Se se risse mais, haveria menos guerras!

CL – Costuma referir que todos os seus espectáculos são diferentes…

CS – Simples, 80 por cento do espectáculo é de improviso e tem muita interacção com o público, logo o resultado é sempre diferente. As actuações têm alguns pontos em comum, como a música inicial e a distribuição de prendas no final. Poderei ter, também, de recorrer a algum texto meu já utilizado, quando me dá alguma ‘branca’, ou quando preciso de preencher alguma lacuna, mas mesmo quando abordo o mesmo tema em dois espectáculos posso abordá-lo de forma diferente, logo o resultado é outro.

CL – Os bilhetes para os seus espectáculos costumam ter vários preços, dividindo-se por Bilhete Simples, Bilhete Sexy, Bilhete VIP e Bilhete Premium, que incluem a aquisição de produtos eróticos. Qual a razão de optar por esta solução? Que tipo de produtos podem ser adquiridos juntamente com os bilhetes?

CS – Tivemos alguns patrocínios de marcas de artigos eróticos. Este patrocínio foi em produto a um preço mais baixo. Como sabemos que muita gente gosta deste tipo de produtos, se os puder adquirir a um melhor preço melhor é uma vantagem. Como tal, experimentámos e deu resultado. Nos primeiros espectáculos, vendemos cerca de metade dos bilhetes com aquisição de produtos. Neste momento, temos uma máscara sexy, um estimulante com efeito de vibração e um vibrador para a cueca com comando em forma de relógio.

CL – Começou a actuar em eventos e reuniões particulares. Quando resolveu começar a realizar espectáculos para o público em geral?

CS – Já faço as reuniões da ‘Maleta Vermelha’ há 14 anos, mas só há seis anos é que resolvi começar a fazer espectáculos para o público em geral. Além do medo de não ser bem-sucedida, não foi fácil entrar neste mundo tão dominado pelos homens. Tentei várias agências e produtoras e nenhuma me deu crédito, todas me fecharam a porta. Ouvi muitas vezes que as mulheres não tinham piada e que não estavam dispostos a investir tempo e dinheiro em mim. Era também um factor crucial o facto de não ter milhares de seguidores nas redes sociais. Eu não sou boa em redes sociais, tenho apenas 12 mil seguidores na minha página de Facebook e cerca de 1.860 no Instagram. Hoje em dia, só és alguém se tiveres 100 mil seguidores, não é pelo facto de teres talento ou não.

CL – Tem participado em programas televisivos?

CS – Já fui convidada para ir a vários programas, maioritariamente como directora-geral da ‘Maleta Vermelha’, mas fiquei conhecida do público por ter feito algumas reuniões nos programas ‘Love On Top’ e ‘Casa dos Segredos’. Também já fui, várias vezes, aos programas da manhã da RTP 1 (‘Praça da Alegria’), SIC (‘Casa Feliz’ e outros) e TVI (‘Você na TV’). Já estive igualmente no Canal Saúde Mais a falar sobre saúde sexual, no programa do Fernando Alvin no Canal Q e na RTP 2.

CL – Tem algum tipo de podcast e/ou costuma partilhar vídeos seus nas redes sociais?

CS – Como disse, não sou muito forte nas redes sociais, mas partilho sempre alguns vídeos dos espectáculos. De momento, não tenho um podcast, mas cheguei a ter um programa semanal na Rádio Movimento, que se chamava ‘Tudo a Nu’, com entrevistas em que se falava sem tabus sobre tudo.

CL – A actual digressão tem registado casas cheias. O que está previsto até ao final do ano?

CS – Temos uma presença mensal no Casino Estoril. Os próximos espectáculos são a 16 de Dezembro e a 20 de Janeiro. Vamos estar também no Cadaval (18 Novembro) e no Porto, pela primeira vez, dia 10 de Fevereiro.

CL – É directora-geral da ‘Maleta Vermelha’, uma empresa que surge ligada aos seus espectáculos. Qual a razão deste nome?

CS – A ‘Maleta Vermelha’ vende artigos eróticos ao domicílio através de reuniões íntimas, grupos só de mulheres ou mistos, em contexto de reunião de amigas/os, aniversários, festas variadas e despedidas de solteira. Sou a proprietária da empresa e faço estas reuniões há 14 anos. O nome surgiu quando o conceito apareceu há cerca de 16 anos em Espanha, quando a Dina (que iniciou o projecto) começou a vender este tipo de artigos às amigas, que comprava a lojas e depois transportava numa mala vermelha. Não fazemos espectáculos, mas sim reuniões da ‘Maleta Vermelha’, mas no fundo acaba por ser um pequenino espectáculo privado.

“APRENDI MUITO SOBRE AS MULHERES”

CL – Com a ‘Maleta Vermelha’ desloca-se a casa de mulheres que o solicitem para apresentar produtos eróticos de uma forma original. Qual a importância destes encontros nos espectáculos que apresenta?

CS – Para mim, foi essencial para criar o meu espectáculo e para ficar com ‘bagagem’. Aprendi muito sobre as mulheres e sobre os homens e os seus comportamentos neste domínio. Ganhei também ‘estaleca’ para estar num palco cheio de gente estranha. Hoje em dia, não tenho problemas em falar em público, porque faço disso vida. Todas as semanas, faço uma média de três a quatro reuniões e lido com imensa gente.

CL – Considera-se mais uma humorista ou uma empresária? Uma humorista empresária ou uma empresária humorista?

CS – Sou ambas, nem mais uma nem mais outra. Tenho de agir como empresária em certas alturas e como humorista noutras. E, por vezes, tenho que ser ambas ao mesmo tempo.

CL – Quais os produtos eróticos que as mulheres mais procuram?

CS – Procuram conhecer mais os brinquedos, pela curiosidade, mas compram mais artigos de cosmética.

CL – As mulheres gostam de oferecer artigos eróticos aos seus parceiros?

CS – Sim, as mulheres, se têm um companheiro, normalmente pensam mais nele do que em si próprias, tanto que às vezes até tenho que me chatear com elas, pois acho que devem valorizar-se mais. Irritam-me frases como “Não vou experimentar isso porque depois não tenho um homem”. Normalmente respondo: “Antes de ter um homem, Deus deu-lhe 10 dedinhos. Mal seria se não tivesse nenhum dedo!”

CL – A ‘Maleta Vermelha’, gerida por mulheres, está totalmente estruturada para assessorar as mulheres e colocar ao seu alcance produtos eróticos que satisfaçam as suas expectativas, desejos e fantasias. Os homens ficam de fora?

CS – Claro que não! Não só temos a versão para os homens, que é a ‘Maleta Negra’, em que colegas homens fazem reuniões só com homens, como também fazemos reuniões mistas. Tal como nas reuniões com elas, falamos muitas vezes das necessidades deles e levamos alguns produtos para usar a dois ou para elas usarem neles.

CL – Qual é o seu humorista preferido em Portugal? E a nível internacional?

CS – As minhas referências em Portugal são Ricardo Araújo Pereira e César Mourão. Há quem diga que sou o César no feminino, inclusive a mulher dele já me viu actuar e disse que a fiz rir tanto quanto o marido. Também adoro o Bruno Nogueira.

A nível internacional, sou muito fã de alguns humoristas brasileiros, como o Rodrigo Marques e o Afonso Padilha, mas também gosto muito do Ismo, do Ricky Gervais e de outros.

BREVE CURRÍCULO ARTÍSTICO

Claúdia Sousa soma 14 anos a divertir mulheres e grupos mistos de Norte a Sul do País com as reuniões ao domicílio de ‘A Maleta Vermelha’. A sua estreia nos palcos ocorreu há cerca de seis anos, em 2017.

A peça ‘Origens’, que marcou a estreia da humorista nos palcos, esteve em cena em várias salas, nomeadamente no Centro Cultural Malaposta, Comuna, TIO (Teatro Independente de Oeiras) e Casa do Artista, entre outras.

Depois de ano e meio de actuações com este espectáculo, quase sempre com casa cheia, seguiu-se a peça ‘O Que Diz a Tua Coisinha’, que contou com a participação de vários convidados, registando também boa aceitação do público.

Cláudia Sousa regressa agora com o espectáculo ‘Sexo e Outras Merd@as´, cujo nome teve de ser alterado para ‘Sexo e Outras Cenas’, para poder ser divulgado nas TVs e rádios, “que não gostaram muito do nome merdas”, justifica a humorista.

Autor: Luís Curado

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