Mário Lameiras: “Não tenho dúvidas sobre o valor e o potencial do Clube”

A Dança do Leão é uma dança folclórica integrada na tradição e cultura milenares chinesas, frequentemente executada por praticantes de Kung Fu, devido à sua elevada exigência física. Esta dança costuma ser apresentada em festas e outros tipos de eventos comemorativos, como inaugurações, casamentos e cerimónias várias. Foi também esta a expressão cultural escolhida pelo Clube de Kung Fu Hong Long, uma escola de artes marciais chinesas sediada em Oeiras, para assinalar, no passado dia 22 de Janeiro, o Ano Novo Chinês 2023, que vai ser dominado pelo signo Coelho de Água.

O palco escolhido pelos elementos da escola oeirense para festejarem a entrada no Ano Novo Chinês, foi o Casino Estoril, onde mostraram coreografias e acrobacias de grande efeito visual. O Ano do Coelho, que sucede ao Ano do Tigre (1 Fevereiro de 2022 a 21 Janeiro de 2023), terminará a 9 de Fevereiro de 2024 e corresponde ao ano 4721 no calendário chinês. O Zodíaco Chinês é constituído por 12 signos dedicados a outros tantos animais, que são influenciados por cinco elementos fundamentais do Universo: Madeira, Fogo, Terra, Metal e Água.

De acordo com a tradição, os 12 animais da criação que integram o Zodíaco Chinês foram aqueles que, sendo convocados por Buda, compareceram à reunião, recebendo a honra de transformar-se em símbolos da astrologia chinesa. São eles que representam os anos do calendário. Segundo a lenda, a posição dos 12 animais no calendário foi definida pela ordem com que se encontraram com Buda, isto é: Rato, Boi, Tigre, Coelho, Dragão, Serpente, Cavalo, Cabra, Macaco, Galo, Cão e Porco. Com base nesta sequência, ao Coelho sucederá o Ano do Dragão, entre 10 Fevereiro de 2024 e 28 Janeiro de 2025.

O principal objectivo do Clube de Kung Fu Hong Long, representado por uma associação regularmente constituída e com estatutos publicados, é o estudo e preservação do Kung Fu tradicional chinês, ou mais propriamente o Kung Fu ‘clássico’. Juntamente com a popular Dança do Leão e a prática do Kung Fu, o clube oeirense, instalado na Rua da Freiria, no Centro Cultural da Lage, junto ao Lagoas Park, também prepara atletas para competições de Wu Shu moderno. Outra das actividades regulares do clube desenvolve-se em torno de exibições realizadas, sob orçamento, pelos seus praticantes.

ESCOLA FUNDADA PELO MESTRE MÁRIO LAMEIRAS

Constituída há 20 anos por iniciativa do Mestre Mário Lameiras, a escola dispõe também da modalidade de Chi Kung, “uma forma de ginástica respiratória que visa a melhoria e a manutenção da saúde do indivíduo”. Este tipo de ginástica pode ser praticado em qualquer idade e “consiste num conjunto de movimentos executados suave e pausadamente, sendo coordenados com a respiração, por forma a atingir a normalização das funções energéticas do corpo humano”. Os movimentos suaves e moderados do Chi Kung não têm contraindicações e são muito aconselháveis a pessoas em idade sénior, pelo benefício que traz para a saúde.

Entre os serviços disponibilizados pela instituição destacam-se ainda as demonstrações de Kung Fu. “São, certamente, dos momentos mais singulares que visam despertar nos espectadores uma oportunidade única de conhecer a técnica e aspectos caracterizantes do Kung Fu”, refere o texto de apresentação disponível no site do clube, precisando que “o propósito principal deste serviço é difundir junto das entidades a magnificência desportiva e marcial” dos praticantes, “bem como celebrar um momento único e festivo” inspirado na tradição milenar das Artes Marciais. A Medicina Tradicional Chinesa e a organização de Workshops completam a lista de actividades do clube.

Fundador e Director Técnico do Clube de Kung Fu Hong Long, desde 2002, Mário Lameiras assumiu também durante três mandatos o cargo de Vice-Presidente da Federação Portuguesa de Artes Marciais Chinesas, entre 2006 e 2020. Das várias distinções que recebeu, destaca-se o prémio de ‘Personalidade do Ano’ para as Artes Marciais Chinesas, atribuído em 2014 pela Confederação do Desporto de Portugal, uma organização não-governamental desportiva criada em 1993 sob a designação inicial de Aliança do Desporto Federado, nome que acabou por ser alterado para o actual.

Com a categoria de Sifu (mestre ou professor no contexto das Artes Marciais), Mário Lameiras é instrutor de Artes Marciais Chinesas desde 1993, sendo discípulo do Mestre Yum Cheung Lei (Yin Chang Li) em Kung Fu, estilo Ng Ying Kuen – Shaolin do Sul, desde 1977. Foi também presidente do Conselho Disciplinar da Federação Portuguesa de Artes Marciais Chinesas e conta no seu currículo com passagens, como professor, pela Escola Chinesa de Lisboa e, como treinador, pela Federação Portuguesa de Artes Marciais Chinesas e pelo Instituto Português de Desporto e Juventude.

Mário Lameiras é doutorado em Políticas Públicas, no ramo de Saúde Pública, pelo ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, e diplomado em Medicina Tradicional Chinesa pelo Instituto Português de Medicina Tradicional Chinesa e APA-DA-Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas. É também licenciado em Acupunctura e Fitoterapia Tradicional Chinesa pela Universidade de Medicina Tradicional Chinesa de ChengDu e tem uma pós-graduação em Medicina Tradicional Chinesa do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto.

“AS ARTES MARCIAIS CHINESAS TÊM VINDO A CONQUISTAR ESPAÇO E PRATICANTES”

Jornal ‘O Correio da Linha? (CL) – Em 2014, recebeu o prémio da Confederação de Desporto Portugal (CDP) ‘Personalidade do Ano’ para as Artes Marciais Chinesas. O que representou para si a atribuição desta distinção?

Mário Lameiras (ML) – Foi sobretudo o reconhecimento pelo esforço feito no âmbito de actuação da Federação Portuguesa de Artes Marciais Chinesa, após alguns anos em que foi preciso recuperar a instituição e a modalidade. A CDP entendeu agraciar os elementos da direcção que dedicaram vários anos à reconstrução da Federação e à sua reintrodução no panorama desportivo nacional.

CL – O que está previsto para assinalar os 20 anos do Clube de Kung Fu Hong Long (CKFHL), comemorados em 2022?

ML – Ainda em 2023, contamos publicar um livro ilustrativo do percurso do Clube, bem como realizar um seminário dedicado a temas do contexto histórico, social e formativo das Artes Marciais Chinesas. Temos também previsto a realização de estágios das diversas vertentes do Kung Fu (por exemplo o Chi Kung / Qi Gong Medicinal), bem como uma grande comemoração a realizar, provavelmente, em Junho.

CL – Foi Vice-Presidente da Federação Portuguesa de Artes Marciais Chinesas, durante 13 anos, entre 2006 e 2018. Qual tem sido a evolução das Artes Marciais Chinesas em Portugal?

 ML – O panorama não tem sido fácil, mas estas modalidades têm vindo a conquistar espaço e praticantes, embora com altos e baixos. Os apoios oficiais são muito escassos, embora a nível competitivo as selecções nacionais tenham obtido bons resultados nas provas de cariz internacional. Temos tentado afastar muitos ‘mitos urbanos’ que se criam em redor destas práticas e, no que diz respeito ao Clube Hong Long, temos demonstrado a valia quer em termos desportivos, quer em termos de defesa pessoal, mas, sobretudo, a sua valia como ferramenta formativa do carácter e do desenvolvimento pessoal, o que vai mais além do que a simples prática desportiva.

O esforço de quem se dedica ao ensino e à prática das Artes Marciais Chinesas só será, contudo, recompensado com o apoio de entidades públicas e privadas que possam olhar para as mais-valias destas modalidades.

CL – Qual o programa de actividades do Clube de Kung Fu Hong Long (CKFHL) para este ano?

ML – Para 2023, o CKFHL tem uma carteira de actividades centrada no desenvolvimento associativo, através do aumento do número de praticantes, da preparação teórica e prática, e da formação de treinadores que possam expandir o Kung Fu. Não perdemos de vista a abertura de novos núcleos de praticantes, ainda que em instalações de terceiros, e a realização de estágios e workshops abertos a todos os interessados.

Gostaríamos ainda de desenvolver o projecto de instalações próprias, a criação de um grande centro de prática do Kung Fu, onde fosse possível colocar à disposição da população mais horários e mais vertentes das Artes Marciais Chinesas, com outras condições mais adequadas às mesmas.

CL – Como vê o futuro do Clube?

ML – Com muita esperança no seu crescimento e na sua afirmação enquanto associação desportiva e cultural. Não tenho dúvidas sobre o valor e sobre o potencial do Clube e dos seus associados. Falta só um pequeno impulso para a expansão.

CL – Quantos instrutores de Kung Fu tem actualmente o Clube?

ML – O CKFHL tem actualmente três instrutores e três monitores em formação, que brevemente deverão adquirir os respectivos títulos de treinador.

CL – O que distingue o Kung Fu praticado no CKFHL dos restantes?

ML – Nós praticamos um estilo muito tradicional, muito exigente, e não abdicamos disso. Procuramos dar ao praticante uma formação o mais completa possível, quer em termos desportivos, quer em termos culturais. Mas também nos preocupamos com o aspecto da saúde, dos benefícios que a actividade aporta para os praticantes, o que temos verificado ao longo dos 20 anos (na realidade mais, porque já ensino Artes Marciais Chinesas há cerca de 30 anos).

KUNG FU AJUDA A ENFRENTAR DIFICULDADES

CL – Qual o papel do Kung Fu no dia-a-dia dos seus praticantes?

ML – Muitas vezes, os praticantes relatam pequenas conquistas e episódios em que a preparação que advém do Kung Fu os ajudou imenso. Desde o controle dos nervos quando enfrentam um exame, por exemplo, até situações em que correram riscos para a sua integridade física e aquela preparação foi central. Lembro-me até, a título de exemplo, de um atleta que foi vítima de um acidente de moto e saiu ileso graças ao treino de quedas que faz parte do nosso programa.

CL – Existe alguma limitação de idade para praticar Kung Fu?

ML – Não existe propriamente um limite de idade. O Kung Fu pode ser praticado em qualquer idade. O que tem de se fazer é uma gestão das expectativas de cada um.

CL – Recentemente, o CKFHL realizou uma actuação da Dança do Leão no Casino Estoril por ocasião da comemoração do Ano Novo Chinês 2023. Quantos praticantes actuaram? Quanto tempo demora esta dança?

ML – A Dança do Leão é um serviço que a associação põe ao dispor dos interessados. Para assinalar a passagem do Ano Novo do calendário tradicional chinês (este ano de 21 para 22 de Janeiro), o Casino Estoril dirigiu-nos um amável convite, que foi para nós uma honra.

A Dança do Leão foi executada por sete praticantes, sendo quatro na animação dos Leões e três na banda de acompanhamento.

O tempo de actuação depende do evento. Normalmente dura entre 10 e 15 minutos, mas pode ser executada por tempo superior, como aconteceu por exemplo no Festival Lumina de 2015, em Cascais, onde as várias intervenções chegaram a ter mais de 30 minutos.

CL – Com quantos sócios conta actualmente o CKFHL?

ML – O Clube conta actualmente com cerca de 300 associados entre activos e não ativos.

CL – Quantos praticantes de Artes Marciais Chinesas tem o Clube?

ML – Quase quatro dezenas de praticantes, distribuídos por diversos escalões.

CL – Com que apoios conta o CKFHL?

ML – Apenas contamos com um apoio anual quase simbólico, por parte do Programa de Apoio as Associativismo do Município de Oeiras.

CL – O que levou à criação do CKFHL?

ML – O Clube foi criado, sobretudo, por necessidade de uma representação institucional que desse cobertura às actividades desportivas e culturais. A necessidade de aceder, por exemplo, a instalações para a prática do Kung Fu ou a necessidade de apoio à participação em provas desportivas exigem um grau de organização associativo, devidamente legalizado e regularizado.

CL – O Mestre Mário Lameiras conta com um vasto currículo e uma extensa lista de alunos que ensinou, alguns dos quais ficaram ligados ao Clube como instrutores. No seu caso, quando iniciou a prática de Kung Fu e onde?

ML – Comecei a praticar Kung Fu há quase 48 anos, com um mestre chinês que residia em Belém. Na altura, o Kung Fu ainda não tinha uma vertente desportiva e era uma prática desenvolvida quase em segredo.

CL – O Kung Fu é uma Arte, um conjunto de técnicas de defesa pessoal, uma Filosofia, uma forma de conhecimento interior, ou um método de disciplina física e mental?

ML – É tudo isso.

CL – Qual o papel do Kung Fu na sociedade moderna?

ML – Na sociedade actual, o Kung Fu pode desempenhar um papel muito importante para o equilíbrio individual e para o desenvolvimento pessoal, mais a mais com os desafios que se põem nos dias de hoje. Não apenas no aspecto da preparação física e da defesa pessoal, já que caminhamos para um Mundo cada vez mais violento, mas sobretudo pelo valor que tem para o desenvolvimento interior dos praticantes. Muitos dos valores que fazem parte da Filosofia Oriental e que são transportados pelo Kung Fu revelam-se uma mais-valia para cada um de nós e podem ajudar-nos a transpor as dificuldades e os obstáculos que aparecem nas nossas vidas.

CL – A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) está muito presente no seu currículo. O que o atraiu para esta prática clínica?

ML – Dois aspectos: a necessidade de responder a lesões e traumas que, por vezes, a prática mais intensa pode provocar nos atletas, e o reconhecimento do valor desta forma de Medicina. Tradicionalmente, grande parte dos mestres de Kung Fu eram também terapeutas, mais rigorosamente médicos de Medicina Tradicional. Hoje em dia, a MTC conhece uma evolução técnica e científica que, pelo menos fora de Portugal, a coloca como um complemento importante da Medicina dita convencional. Além de que a Organização Mundial da Saúde já reconheceu este papel da MTC.

Autor: Luís Curado

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