Exposição de D. Anghel conquista visitantes do Casino Estoril

A exposição individual ‘Desfiguração da Utopia’, da autoria da pintora de origem romena Daniela Camelia Anghel, exposta desde 23 de Abril no Espaço de Arte 2 da Galeria de Arte do Casino Estoril, vai continuar patente ao público em resposta ao expressivo interesse que tem vindo a suscitar junto dos visitantes.

Os críticos de Arte são unânimes em considerar que a pintura de D. Anghel (como é conhecida) se diferencia pela monumentalidade das obras e por uma técnica extremamente rigorosa. Nos seus quadros, as composições clássicas da pintura ocidental são sujeitas a uma dobra formal e temporal, sofrendo processos de transmutação e actualização.

“Não procuro passar mensagens principais, respostas ou soluções, prefiro, antes, imaginar a produção de ambiguidades geradoras de perguntas. A imagem nunca é uma realidade simples”, comenta a artista nascida em Alexandria (Roménia), filha de um diplomata destacado em Portugal, a propósito dos seus trabalhos.

D. Anghel cita Georges Didi-Huberman, historiador, crítico de Arte e professor da École de Hautes Études en Sciences Sociales (Paris): “Para que a montagem ambígua dos corpos suscite a liberdade do olhar crítico ou lúdico, é preciso organizar o encontro”, para assinalar que as suas pinturas “mostram vários encontros de imagem/fantasma que revindicam novas forças”.

Nascida em 1979, a pintora obteve a nacionalidade portuguesa, sendo licenciada em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (2004). Mais tarde, frequentou um curso de especialização em Pintura a Óleo, Desenho, Retrato e Figura Humana na Ilya Repin Imperial Academy, em São Petersburgo, Rússia (2012-2013).

PRESENÇA REGULAR NA GALERIA DE ARTE DO CASINO

D. Anghel expõe com regularidade na Galeria de Arte do Casino Estoril desde 2003, tendo participado em várias edições dos Salões de Primavera e de Outono. Realizou também três outras exposições individuais nesta galeria. A saber: ‘A Tentação da Imagem’ (2004), ‘Mulheres de Portugal’ (2005) e ‘O Retorno do Eterno’ (2007).

Em 2005, a artista foi convidada a realizar um retrato oferecido por um grupo de amigos a Jorge Sampaio (1939-2021), por ocasião do 66.º aniversário do dirigente socialista, que assumiu o cargo de Presidente da República durante dois mandatos, entre 9 de Março de 1996 e 9 de Março de 2006.

Em 2006, D. Anghel realizou na Biblioteca Municipal de Ponte de Sor a exposição ‘Grandes Portuguesas’, baseada no projecto ‘Mulheres de Portugal’, patente ao público no Casino Estoril, no qual homenageou grandes figuras femininas da História de Portugal, entre as quais a Rainha Santa Isabel, Inês de Castro, Josefa de Óbidos, D. Filipa de Lencastre, a Marquesa de Alorna, Luísa Todi, D. Maria II, Florbela Espanca, Eunice Muñoz, Carmen Dolores, Amália Rodrigues, Sophia de Melo Breyner, Agustina Bessa-Luís, Paula Rego e Maria João Pires, entre outras.

Além de ter participado em inúmeras exposições em Portugal, a nível internacional, a artista teve as suas obras patentes ao público em vários países, nomeadamente em Inglaterra (Bienal de Londres-2017), Espanha (Bienal de Barcelona-2017), Itália (Bienal de Florença-2017 e Bienal de Chianciano-2018) e França (Feira da Arte Contemporânea na Port de Versailles, Paris-2018).

EXPERIÊNCIAS DO DESENCANTAMENTO

A propósito da sua actual exposição patente ao público no Casino Estoril, é a própria pintora que explica o que representa a ‘Desfiguração da Utopia’: “A minha pintura joga de uma certa forma com as experiências do desencantamento. Ou seja, explora a ruptura, a quebra, a fissura, como consequência de uma realidade exposta. Alain Badiou, no seu texto ‘Em Busca do Real Perdido’, esclarece a definição de real proposta por Jacques Lacan: “o real é o impasse de formalização” que torna manifesta uma indignação. A indignação, o “escândalo”, aparecem porque uma parte do real se torna visível, segundo Badiou. Proponho uma reflexão sobre a desestabilização e a crise geradas pelo advento do real. Relacionando-o de forma incerta com a prática dos exercícios matemáticos, Badiou sugere que o real não é alcançado através da formalização, já que esta é o impasse dele, mas quando se explora o que é impossível, fazendo dessa investigação um movimento de gestação duma nova realidade.”

”Podemos modificar o Mundo ao tornar as fissuras visíveis? Como retratar a crise das expectativas utópicas?”, questiona D. Anghel, que prossegue a explicação sobre o título da sua exposição: “As pinturas contemplam as ilusões perdidas de todos nós numa determinada altura perante a realidade. As quimeras espalhadas não são apresentadas em pintura como retratos de cicatrizes das lutas perdidas, mas, sim, como metamorfoses capazes de instaurar uma nova ordem. As histórias não são uma negação do real, mas sim, buscam o que há do real no real. O lugar pintado, torna-se uma paródia e provocação zombeteira sem fim. Neste processo não há vitórias finais, nem culpados, há apenas espaços alternativos para a reflexão.”

Quando questionada se estava à espera do êxito alcançado por esta mostra, a pintora responde: “Sempre me impressionou a força do intempestivo. Foi, sem dúvida, uma grande surpresa.  Gilles Deleuze dizia que “o melhor encontro é sempre com uma obra de Arte.” É uma alegria para mim saber que a minha pintura proporcionou para tanta gente encontros únicos. O Director da Galeria de Arte do Casino Estoril, Pedro Lima de Carvalho, tem apoiado muito a minha pintura ao longo dos anos, e é um privilégio e uma honra para mim poder ter as minhas pinturas expostas nesta galeria.”

Em 2005 e 2006, D. Anghel apresentou exposições dedicadas às Grandes Mulheres de Portugal. Para quando uma exposição dedicada aos Grandes Homens de Portugal? “Será uma proposta muito interessante para reflectir. A questão também é: há pessoas interessadas em ver este tipo de projecto pintado por mim? Diante de uma imagem que representa um retrato, estamos sempre diante do tempo dessa pessoa.  Se tiver de imaginar um projecto dedicado aos Grandes Homens de Portugal estaria interessada mais em retratar os nossos tempos. Algo contrário ao que aconteceu nas minhas exposições anteriores dedicadas às Grandes Mulheres de Portugal que foram o resultado de um projecto em comum com o Director da Galeria de Arte do Casino Estoril, o Doutor Nuno Lima de Carvalho.”

RETRATO DE JORGE SAMPAIO

Pedimos à autora da exposição ‘Desfiguração da Utopia’ para partilhar connosco a história em torno do retrato oferecido por um grupo de amigos ao Presidente Jorge Sampaio. “Na Primavera de 2005, fui contactada pelo seu conselheiro jurídico, Professor Luís Filipe Salgado de Matos. Encontrei-me com Sua Excelência o Presidente da República várias vezes na companhia do Professor Luís Filipe Salgado de Matos, no Palácio de Belém. O PR conhecia a minha pintura e desejava um retrato pintado com o meu estilo com dobras, para a colecção privada dele. Jorge Sampaio escolheu pessoalmente a composição e a técnica. A execução da pintura demorou alguns meses, mas não foi difícil de pintar. Ele gostou muito do resultado e não quis fazer nenhuma correcção. Foi pintado em acrílico sobre tela. O retrato de Sua Excelência foi entregue numa cerimónia oficial no Palácio de Belém, em Lisboa, em Setembro de 2005.”

E qual foi a pintura que mais prazer deu a D. Anghel realizar até hoje, quisemos saber. Uma resposta difícil de responder, admitiu a artista. “É quase impossível determinar qual foi a pintura que mais prazer me deu realizar, porque eu gosto muito de pintar, mas irei escolher uma pintura favorita, ‘O Espírito Santo’, um quadro pintado no Brasil há 10 anos.”

Sobre o futuro do seu percurso artístico, tudo está em aberto. “Tenho muitos projectos para pintar, que passam por procurar definir uma nova direcção na recriação de determinados temas clássicos da Pintura. Vou continuar a inventar uma disciplina no caos ou criar desequilíbrios em lugares estáveis. Organizar o choque e construir um contínuo”, revela a artista, que chegou a Portugal em 2000. Sobre as memórias desse tempo, recorda: “Na altura acompanhava a minha família. O meu pai tinha começado uma missão diplomática em Portugal. Quando cruzámos a fronteira, todos os lugares ficam no estrangeiro. Aprendemos a pensar numa língua, desejamos noutra e criamos numa terceira.” Não estranha, pois, que mencione: “Um dos meus projectos é criar algumas pinturas a partir dos poemas de Fernando Pessoa.” Ficamos a aguardar com expectativa.

Autor: Redacção

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