Eunice Muñoz, as saudades que ficam

Eunice Muñoz, considerada por muitos a melhor actriz portuguesa de todos os tempos, com 80 anos de carreira dominados por uma infindável lista de sucessos, morreu no passado dia 15 de Abril, aos 93 anos. O Governo, em articulação com o Presidente da República, decretou um dia de luto nacional no dia do funeral, que terá lugar na próxima terça-feira, 19 de Abril, à tarde, no Cemitério do Alto de São João, onde está prevista uma cerimónia de cremação. Um dia antes, segunda-feira, o féretro com o corpo da actriz estará, a partir das 17h00, nas Capelas Exequiais da Basílica da Estrela, onde decorrerão as cerimónias fúnebres, com a celebração de uma missa de corpo presente, no dia seguinte, entre as 15h00 e as 16h00, antes da realização do funeral.

Natural da Amareleja, no concelho alentejano de Moura, onde nasceu a 30 de Julho de 1928, Eunice Muñoz morreu vítima de uma paragem cardiorrespiratória no Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide (Oeiras). A actriz já tinha sido hospitalizada, em Agosto do ano passado, nesta mesma unidade hospitalar, devido a um problema de saúde que chegou a ser referido nas redes sociais como tendo sido um AVC, uma informação negada pela neta, Lídia Muñoz, com quem partilhava o palco numa digressão da peça ‘A Margem do Tempo’, de Franz Xaver Kroetz. Já em Janeiro deste ano, foi novamente internada, desta feita no Hospital de São Francisco Xavier, devido a um pico de tensão arterial, dificuldades respiratórias e cansaço.

Quando foi informado da morte de Eunice Muñoz, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se “profundamente consternado” com a notícia. Referindo que “Portugal está de luto”, o Presidente da República apresentou “sentidas condolências à família” da actriz, recordando a carreira de uma artista de referência nacional, apreciada e acarinhada por todos, que proporcionou décadas de momentos inesquecíveis aos portugueses. Segundo as palavras do PR, “uma actriz a quem bastava como identificação o nome próprio”. “Dizíamos Eunice e não havia outra”, sublinhou.

“Marcou a nossa vida durante décadas e décadas e, portanto, eu queria, em nome de todos os Portugueses, agradecer-lhe uma vida dedicada ao Teatro, mas também ao Cinema, à Televisão, à Cultura em Portugal, isto é, dedicada aos Portugueses”, destacou Marcelo Rebelo de Sousa, recordando: “Tive oportunidade de estar com Eunice diversas vezes ao longo do meu mandato, de a ver e ouvir, de a aplaudir, de com ela conversar, e de a homenagear, fazendo minhas as palavras de tantos portugueses na admiração e carinho que lhe tivemos e na grata memória que dela guardamos”.

“Como aconteceu com alguns dos grandes nomes do Teatro em Portugal, notabilizou-se em vários meios, em vários registos, nos clássicos como nos contemporâneos, nas obras ousadas como nos grandes sucessos de público, sendo possivelmente a figura mais reconhecida do Teatro Português do último meio século, e a mais querida também”, comentou o PR, admitindo: “Nós habituámo-nos à ideia de que a Eunice Muñoz era eterna. Fisicamente não é. Resistiu a uma, duas, três, quatro crises de saúde. Mas é eterna no nosso espírito, não a esquecemos, nunca a esqueceremos, estará sempre no nosso coração”.

80 ANOS DE CARREIRA NO TEATRO, CINEMA E TELEVISÃO

Nascida no seio de uma família de actores, Eunice Muñoz cedo se habituou aos palcos. Estreou-se profissionalmente com apenas 13 anos, em 1941, com a peça ‘Vendaval’, de Virgínia Vitorino, no palco do Teatro Nacional D. Maria II, sob direcção de Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro, construindo uma carreira de 80 anos repleta de sucessos que fizeram dela uma referência no meio artístico e cultural. A última peça em que participou, ‘A Margem do Tempo’, uma obra contemporânea sem palavras baseada nas memórias de uma vida, foi levada à cena no mesmo palco, em 2021, com a actriz a contracenar com a sua neta, Lídia Muñoz.

Ao longo da sua carreira, Eunice Muñoz trabalhou com outros grandes vultos do Teatro Português, entre os quais Palmira Bastos, Maria Matos, António Silva, Vasco Santana, António Pedro, Raul Solnado, Carlos Avilez, João Lourenço, Filipe La Féria, João Perry, Fernanda Montenegro e muitos outros, tendo trabalhado com cerca de uma centena de companhias e participado em cerca de duas centenas de peças (de acordo com dados recolhidos pelo Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), clássicas e contemporâneas, muitas das quais como protagonista.

Em “Mãe Coragem e os Seus Filhos”, do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, levada à cena em 1986, assinou uma interpretação soberana, mostrando toda a magia com que enchia o palco, tal como aconteceu em ‘O Ano do Pensamento Mágico, um monólogo de Joan Didion com encenação de Diogo infante, que interpretou em 2009 no Teatro Nacional D. Maria II. Uma mestria repetida tantas vezes ao longo da vida, como em ‘O Comboio da Madrugada’, de Tennessee Williams, com encenação de Carlos Avilez, levada à cena em 2011/12, uma peça durante a qual sofreu uma queda em que partiu os dois pulsos e lesionou a cervical.

A sua presença em palco nunca deixou de impressionar quem teve o privilégio de assistir aos seus desempenhos, que não se limitaram ao Teatro. Eunice Muñoz fez também carreira no Cinema, integrando o elenco de filmes rodados por Leitão de Barros (‘Camões’), Henrique Campos (‘Um Homem do Ribatejo’, ‘Ribatejo’ e ‘Cantiga da Rua’), Caetano Bonucci/Amadeu Ferrari (‘A Morgadinha dos Canaviais’), Lauro António (‘Manhã Submersa’), Fernando Lopes (‘Matar Saudades’), João Botelho (‘Tempos Difíceis’) e outros realizadores, e participou igualmente em inúmeras produções televisivas, entre filmes, telenovelas, programas de comédia e séries, como ‘A Banqueira do Povo’ (1993), exibida na RTP.

Ao longo da sua vida, a actriz recebeu vários prémios e distinções, tendo sido condecorada com as seguintes ordens honoríficas: Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada (1981), Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1991), Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada (2010), Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2011), Grã-Cruz da Ordem do Mérito (2018) e Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada (2021). Recebeu também a Medalha de Mérito Cultural, atribuída em 1990 pelo Ministério da Cultura, e foi distinguida diversas vezes pela crítica, nomeadamente com o Prémio da Imprensa (1964 e 1969) e com o Globo de Ouro de Mérito e Excelência (2008). Foi ainda homenageada com o Prémio Sophia Carreira, atribuído pela Academia Portuguesa de Cinema.

OEIRAS HOMENAGEIA ACTRIZ

A Câmara Municipal de Oeiras, concelho onde Eunice Muñoz viveu, decretou três dias de luto municipal pela morte da actriz (dias 16, 17 e 18 Abril), para “expressar o reconhecimento ao inquestionável contributo que deu ao concelho e ao País”. “Viveu e faleceu no nosso Concelho. Deu, há 25 anos, o seu nome ao auditório municipal de Oeiras, Auditório Municipal Eunice Muñoz”, recordou o Presidente da Autarquia, Isaltino Morais, assinalando: “Oeiras deve-lhe muito. Portugal deve-lhe muito. Mulher extraordinária, como actriz, mãe, amiga. Grande entre as grandes”.

O autarca realçou que Eunice Muñoz “marcou gerações de artistas e de portugueses”, sublinhando que “o seu sorriso de paz, a sua postura de elegância, a sua permanente disponibilidade para os outros a sua excelência enquanto mulher do Teatro” fazem dela “um exemplo de vida e um tesouro nacional”. Recorde-se que, em 2021, a actriz subiu ao palco do auditório com o seu nome, atribuído em 1997, para celebrar os 80 anos de carreira, com a peça ‘A Margem do Tempo’, tendo sido condecorada na altura com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada pelo Presidente da República.

Autor: Redacção

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