Teresa Meira: “A Dança e a Música dão-nos alegria e prazer”

A música ouve-se alta. Os dançarinos parecem entusiasmados. Concentrados na coreografia. Todos tentam acertar o passo com os demais. Os sorrisos estão estampados nos rostos. Ao centro, a professora orienta os passos que o resto do grupo segue a preceito. No final de cada actuação, as expressões de realização atestam a satisfação que todos sentem. É esta alegria que ressalta dos cerca de 90 vídeos que Teresa Meira colocou a circular no Youtube, representativos do seu inovador projecto de Dança em Linha (Line Dance) para Seniores.

Depois de trabalhar cerca de 10 anos num jornal semanário e de passar por outras empresas, Teresa Meira entrou para os quadros da Fundação Calouste Gulbenkian, onde permaneceu até se reformar. Nessa altura, resolveu inscrever-se no Centro Eng.º Álvaro de Sousa, no Estoril, passando a frequentar as Danças de Salão, um gosto da juventude a que passou a poder dedicar mais tempo. Descontente com o que encontrou, aproveitou uma oportunidade que surgiu para fazer diferente. Hoje, o seu projecto vai de vento em popa.

Professora de Dança em Linha autodidacta, Teresa Meira afirma que o que sabe aprendeu na Internet, principalmente em tutoriais partilhados no Youtube, uma plataforma aberta de divulgação de vídeos. Ao longo dos últimos 10 anos, tem transmitido esse conhecimento a pessoas mais idosas, às quais dá aulas em três instituições do concelho de Cascais. Aqui fica o seu testemunho sobre a modalidade de dança que ensina, em que os executantes dançam alinhados uma coreografia previamente aprendida.

Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – Como surgiu a ideia de apostar na Dança em Linha para Seniores?

Teresa Meira (TM) – Quando me reformei e me inscrevi no Centro Eng.º Álvaro de Sousa numa aula de Dança de Salão, constatei que estavam inscritas 30 senhoras e apenas quatro homens. Os quatro homens tinham de dançar com todas as senhoras… um segundo com cada uma… Assim, as aulas eram passadas com as senhoras sentadas numa cadeira, à espera de vez. Não me interessou. Fui assistir a este tipo de aula em outras instituições e acontecia o mesmo: não havia pares por falta de homens.

Decidi fazer uma pesquisa no Youtube e encontrei a Dança em Linha específica para seniores, com vários filmes a ensinar os passos e as técnicas para que pessoas com mais idade possam mexer-se e apreciar as músicas, sem se cansarem. Aprendi uma coreografia, ensaiei com alguns colegas da aula e todos gostaram da ideia, pelo que apresentei uma proposta à directora do Centro Álvaro de Sousa para iniciar esta nova actividade. Estávamos em 2012.

CL – Existe limite de idades para a Dança em Linha para Seniores? Entre que idades aceita participantes nas suas aulas? É necessário algum certificado médico para poder praticar?

TM – A idade não é limite para nada. A vontade, sim! Basta querer. Tenho vários alunos com mais de 80 anos com mais genica que muitos de 60. Não é preciso um certificado médico pelas razões acima descritas. Aprendem-se coreografias sem fazer qualquer esforço físico.

CL – A Dança é uma fonte de juventude? Rejuvenesce?

TM – Nada rejuvenesce! A Dança e a Música dão-nos alegria, bem-estar, prazer. Os meus alunos não faltam. Isto diz tudo.

CL – A Música e a Dança curam?

TM – Activa-se a memória (decorar as coreografias), activa-se a circulação sanguínea (equivale a andar durante uma hora seguida), fortalece-se a parte óssea e muscular. Aprende-se a coordenar com os outros. Aprende-se a ouvir os tempos das músicas e a associar os passos aos tempos. Põe-se o cérebro a funcionar de outra forma.

CL – Como é que a Dança entrou na sua vida?

TM – O gostar de dançar sempre fez parte de mim. Sempre me lembro de dançar. Na adolescência e juventude, na fase de festas e ‘boîtes’, raramente ficava sentada. Quando comecei com esta aventura (faz 10 anos no início do próximo ano), acabei por descobrir que tinha jeito para ensinar, coisa que nunca me tinha passado pela cabeça.

ACTIVIDADES ARRISCADAS PARA SENIORES

CL – Faltam iniciativas como a Dança em Linha para os Seniores, que sejam inovadores?

TM – Este formato é o melhor que há em inovação para os seniores em Portugal. Por todas as razões. As actividades físicas que as instituições apresentam são o ioga e a ginástica, ambas, pelo que assisti, sem qualquer controlo, o que achei muito arriscado porque todas as pessoas têm problemas diferentes de saúde. E depois existem as tais aulas de Zumba, completamente irresponsáveis, a meu ver, é claro!

CL – Com que apoios tem contado neste projeto?

TM – Nenhum. Sou professora voluntária nas instituições onde dou aulas. Actualmente são três: Centro Engº Álvaro de Sousa (Estoril), Academia da Cruz Vermelha (Cascais) e Sociedade Musical Sportiva Alvidense (Alvide-Alcabideche).

Como voluntária e com a vantagem de lhes dar novos sócios, qualquer instituição a que me dirija, me recebe. Quando não concordo com algo na organização, venho-me embora. Os alunos vêm atrás de mim.

CL – De um jornal para a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). Teve uma vida profissional bastante activa. O que gostou mais de fazer?

TM – Trabalhei administrativamente no Jornal ‘O País’, que era de um tio meu, durante 10 anos. Foi o meu primeiro emprego. Aprendi tudo em todas as áreas, o que me foi muito útil no futuro.

Tirei um curso de Design Gráfico no AR.CO (Centro de Arte & Comunicação Visual) quando entrei na Fundação Calouste Gulbenkian e fiquei a coordenar a equipa gráfica do meu serviço, o ACARTE (Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte), que tratava dos folhetos/cartazes/programas etc. de toda a programação anual, que era imensa.

Paralelamente, e porque sempre fui boa em Português e a detectar gralhas, fui revisora de muitos livros editados pela FCG. Mesmo reformada, ainda me continuam a pedir para fazer umas pequenas revisões. Estive lá quase 30 anos. Fiz de tudo. E de tudo gostei de fazer.

Quando o ACARTE (1984-2002) acabou fiquei a tratar sozinha (sob a orientação de dois coordenadores) da organização do Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística, que proporcionou a jovens cursos de todas as áreas artísticas com os professores das melhores escolas mundiais: dança, teatro, ópera, realização de cinema, documentários, cinema de animação, fotografia, artes performativas, vídeo, que me fez aprender um pouco de tudo. Nunca estava parada.

CL – Ser criativo tem limites de idade, prazos de validade?

TM – Nasce-se criativo. Não se aprende. Sempre fui criativa, mesmo nas brincadeiras da infância. O meu cérebro está sempre a querer fazer mais. Todos os dias aprendo novas coreografias. Tenho mais de 200 em carteira para pôr em prática. Não tenho é anos de vida para o fazer…

CL – A sociedade está formatada para acompanhar devidamente os seniores, fazê-los sentir realizados ou apenas ocupados?

TM – Os seniores de hoje não são os seniores de antigamente. Nas grandes cidades, quem frequenta estas instituições tem um nível de escolaridade já muito elevado. Maioritariamente foram professores do liceu e da faculdade. Quase todos doutores de qualquer coisa. Portanto, mais preparados para a ‘aventura’, para a novidade. Na área artística (há muita gente nas aulas de pintura), há aulas culturais que são muito variadas e com temas que não são para qualquer um. E há muitas visitas de estudo com muito interesse, dadas por verdadeiros profissionais nas matérias.

Nas zonas menos citadinas é que o termo ‘centro de dia’ ainda se aplica ao título. Os seniores ficam sentados à espera que as horas passem e os levem de volta a casa. Os responsáveis por esses centros não estão minimamente preocupados com o idoso. Não fazem nada para que eles se sintam felizes. E, por isso, esses utentes envelhecem cedo de mais, têm demências cedo de mais… por solidão, por desinteresse em viver.

Eu tive essa experiência num Centro de Dia em Cascais. Fui lá dar vida. Tinha 32 alunos, homens e mulheres, que estavam sentados o dia todo. Pus tudo a mexer. Isso está testemunhado no vídeo ‘Is In His Kiss – LINE DANCE PORTUGAL’ (partilhado no Youtube). Pus a dançar duas senhoras com problemas severos de depressão, que ainda hoje me telefonam a agradecer. Saí de lá há dois anos por discordar da forma como a direcção os tratava na generalidade. Os que puderam vieram atrás de mim para Alvide e deixaram aquele sítio.

“TRATAR COMO GENTE E NÃO COMO DEFICIENTES”

CL- Na sua opinião, o que poderia ser feito no sentido de ajudar os seniores a sentirem-se realizados depois de uma vida de trabalho?

TM – Incentivar com actividades interessantes. Tratá-los como gente e não como deficientes. Fui voluntária em dois lares chiques… conheço bem, um ‘ainda mais chique’, como visitante. E é inadmissível a falta de formação dos funcionários. A forma como falam, a forma como tratam os seniores. Tudo. Há pessoas que nascem velhas e há aqueles com a síndrome do Peter Pan, como se costuma dizer, até morrerem. Não somos todos iguais.

CL – Para além da vida dita ‘activa’ pode continuar-se a ser activo?

TM – Basta querer. É o que digo aos meus alunos.

CL – O que é preciso fazer para poder participar nas suas aulas?

TM – Os interessados têm de se inscrever nas instituições onde dou aulas. Infelizmente, por causa da COVID, as inscrições estão a ser muito selectivas, porque temos de estar mais espaçados nas salas e já não posso ter tanta gente como tinha. Na própria Cruz Vermelha tive de dividir o grupo por duas aulas seguidas.

CL – Quais as principais preocupações na altura de escolher as músicas e preparar as coreografias?

TM – Escolho a música sempre dos anos 60/70/80 ou clássicas. Sempre conhecidas. Se encontro coreografia feita, copio. Se a coreografia é difícil, altero. Se não existe, faço-a. E faço questão de dançarmos uma música portuguesa no final do ano lectivo. Essa feita por mim, evidentemente. É uma tradição.

CL – Em tempo de pandemia foi difícil manter o projecto a funcionar?

TM – No primeiro confinamento tentámos as aulas em Zoom com o grupo da Cruz Vermelha, porque é o mais ‘despachado’. Foi muito complicado porque não conseguia corrigi-los, mas conseguimos fazer o ‘Night Fever’, nem sei como, que foi apresentado logo que desconfinámos. Está registado no vídeo ‘Night Fever – LINE DANCE PORTUGAL’ (partilhado no Youtube). No segundo confinamento não fizemos nada, mas assim que se abriu a possibilidade da actividade ao ar livre, começámos logo a ter aulas nos jardins.

CL – Quando foi formado o Grupo de Dança em Linha da Academia da Cruz Vermelha de Cascais?

TM – Em Janeiro de 2015. Havia lá uma professora de dança (outro estilo) que se foi embora e uma conhecida minha pediu-me para ir lá apresentar-me. Já tinha filmes feitos no Centro Álvaro de Sousa para demonstrar o que fazia e fui logo aceite.

CL – Costuma publicar regularmente vídeos das actuações dos seus alunos na Internet. Quantos vídeos já publicou? Tem recebido comentários? Quais as reações dos internautas?

TM – Tenho 86 vídeos publicados, mas já fiz 92. Como não estou nas redes sociais, a divulgação é muito pouca. Só pelos conhecidos e família. Assim sendo, não tenho muitos comentários. O vídeo que teve maior visibilidade é ‘Ai Cachopa se Queres Ser Bonita’ (disponível no Youtube), do Roberto Leal, porque uma fã brasileira viu e divulgou pelos outros fãs.

CL – Os grupos a que dá aulas costumam actuar em eventos culturais/recreativos? Se sim, onde já actuaram?

TM – Sim. Actuamos em todas as festas das instituições, nas próprias instituições. Pelo Centro Álvaro de Sousa: Teatro Gil Vicente, Centro Cultural de Cascais, Hospital de Santana (Natal), Quinta dos Mações e numa festa do Reefood nos Maristas de Carcavelos. Pela Cruz Vermelha Portuguesa: Casino do Estoril, Hotel Estoril Éden (Monte Estoril). Pela Sociedade Musical Alvidense: na Associação de Idosos de Santa Iria (Murches).

CL – Projectos para o futuro no que diz respeito às actividades para Seniores?

TM – Continuar a fazer o que faço, até poder.

Autor: Luís Curado

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.