Paulo Flor: “Ser agente da PSP na Amadora é um desafio profissional”

Paulo Ornelas Flor é, desde Fevereiro de 2020, o Comandante da Divisão Policial da Amadora. Com formação académica na área da Segurança Pública, licenciado pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (1995-2000), conta também com uma Pós-graduação em Gestão Estratégica da Comunicação (2005-2006), pelo Instituto Politécnico de Lisboa. Dentro da estrutura da PSP, desempenhou vários outros cargos, entre os quais: Comandante da Divisão Policial de Vila Franca de Xira (2019-2020), Comandante da 1ª Divisão na Baixa de Lisboa (2016-2019), Director de Relações Públicas da PSP (2008-2016), Assessor na área da Comunicação, Imagem e Marketing do Ministério do Interior da República de Moçambique e da Polícia local (2012-2013) e Oficial de Ligação da PSP junto da Selecção Nacional de Futebol (2002-2008), tendo sido responsável pela Segurança da ‘Equipa das Quinas’ nos Europeus de 2004 (Portugal) e 2008 (Suíça) e no Mundial de 2006 (Alemanha). 

Em 2015, o então subintendente da PSP Paulo Ornelas Flor, foi agraciado com a Medalha de Prata de Serviços Distintos por despacho assinado pela Ministra da Administração Interna da altura, Anabela Rodrigues, que fazia parte do XIX Governo Constitucional liderado por Pedro Passos Coelho. Numa altura em que a Divisão Policial da Amadora comemorou recentemente o 39.º aniversário (25 Fevereiro), o jornal ‘O Correio da Linha’ falou com o seu Comandante sobre a experiência que tem vivido no desempenho deste exigente cargo num concelho caracterizado por uma comunidade multifacetada, sobre os desafios que lhe têm sido colocados e sobre o relacionamento dos agentes da PSP com os cidadãos num tempo dominado pelas circunstâncias impostas pela pandemia COVID-19. Aqui fica a entrevista:  

Foto: Paulo Rodrigues

Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – Como tem decorrido a experiência como Comandante da Divisão Policial da Amadora?

Paulo Ornelas Flor (POF)– O desafio de comandar uma nova Divisão é sempre um momento de redescoberta de novos rostos, ideias distintas, realidades urbanas ímpares e, nalguns casos, alteração de metodologias de trabalho. O Concelho da Amadora é sobejamente referenciado pela sua comunidade multifacetada, muito orgânica, diferentes origens, com um vetor criminal presente num território com pouco mais de 25 quilómetros quadrados e com uma elevada densidade populacional. É nesta conjugação (ainda que sintética) de factores que tenho construído esta relação de Comando de uma Divisão alicerçada em polícias exemplares na sua resposta a uma comunidade exigente. Comandar a Divisão da Amadora é estar disposto a crescer, a fazer cedências, a construir novos processos de aprendizagem e a perceber melhor as dificuldades diárias que os nossos polícias sentem no terreno.

CL – Sente falta da vivência enquanto Director de Relações Públicas da PSP?

POF– A direcção de comunicação de uma marca como a PSP é um exercício exigente, permanente e muito intenso que nos faz crescer, ganhar visão do global, ter mais sensibilidade para ver o “quadro da outra perspectiva” e que nos ajuda a gerir melhor as relações humanas através das suas marcas. Foram 10 anos de muitas experiências, histórias que me ajudaram a melhor entender esta marca com mais de 150 anos e que me acompanharão ao longo da carreira. A humanização da marca PSP foi a missão que mais gozo me deu enquanto polícia e “contador de histórias”, tendo descoberto tantas e tão boas histórias de rostos de polícias que, pela sua dedicação, continuam a desempenhar um papel importantíssimo de RP. Há uma parte de mim que nunca deixará de ser RP da PSP, mas os desafios prevalecerão sempre e é consciente que todos temos que acrescentar valor e um pouco de nós nas funções que desempenhamos, que abracei com a mesma força e dedicação o exercício de voltar a comandar e a dar o melhor de mim em prol das pessoas a quem, localmente, prestamos o nosso apoio.

CL – Qual o cargo que mais gostou de desempenhar dentro da estrutura da PSP?

POF– Tenho a sorte de já ter desempenhado uma multiplicidade de funções na PSP. Julgo que o gosto surge sempre com os novos desafios que nos são propostos e o passado apenas acrescenta valor e dimensão às novas competências. Recordarei sempre o exercício de comando de uma Esquadra – o início de carreira de um Oficial de Polícia recém-licenciado – que nos faz aos 23 anos ganhar maturidade, responsabilidade e noção das nossas ações. O comando de Esquadra, pela jovialidade da nossa vida, pelo desapego que ainda possuímos de uma vida familiar mais exigente, permite-nos viver mais e durante mais tempo estes novos tempos profissionais, é, pois por isso que as Esquadras do Bairro da Boavista, de Campolide e de Telheiras terão sempre um cantinho especial no baú das memórias. Ter acompanhado durante seis anos a Selecção Nacional de Futebol e poder trabalhar a segurança além-fronteiras nos eventos desportivos, fazendo-o a par e passo com a elite do futebol mundial foi outro momento muito relevante na minha vida profissional. A ida a Moçambique durante seis meses no âmbito de um Projecto de Cooperação foi igualmente marcante neste processo de crescimento pessoal e profissional e permitiu-me ver a vida de outra perspetiva, valorizando muito mais momentos que até então eram-me garantidos pelo facto de estarmos num País europeu com essas respostas. Todos os momentos, mesmo os que aqui não estão referidos, foram seguramente marcantes e todos contribuíram para que esta caminhada tenha sido feliz.

CL – O que representou para si a atribuição da Medalha de Prata de Serviços Distintos, recebida em 2015?

POF– Respeito, prezo e valorizo muito as atribuições de distinções que as instituições nos conferem. É um sinal de que estamos comprometidos com a missão que nos é conferida diariamente e representamos os valores da marca. É um reconhecimento que nos acrescenta responsabilidade e o facto de ter sido conferida por um Director Nacional na sequência de um louvor em 2011, pouco depois de 10 anos de carreira policial, acaba por a tornar ainda mais especial.

EXPERIÊNCIAS EMOTIVAS COM SELECÇÃO NACIONAL DE FUTEBOL

CL – Foi Oficial de Ligação da PSP junto da Selecção Nacional de Futebol. Que recordações guarda dessa fase da sua carreira? Pode contar-nos alguma história engraçada a que tenha assistido?

POF– Possuo inúmeras histórias guardadas na minha memória desses momentos, umas mais felizes, que normalmente acontecem quando ganhamos os jogos, e outras mais tristes, quando os perdemos. Destacarei duas, no caso do EURO’2004, que me marcaram. A primeira, o momento de abertura oficial do Europeu no novo Estádio do Dragão frente à selecção da Grécia, em que perdemos o jogo. A saída do estádio num silêncio sepulcral e a viagem até Alcochete de cortar à faca. No dia seguinte, o seleccionador nacional, Scolari, foi o primeiro a levantar-se, a fazer a sua caminhada e a chamar todos para um churrasco onde a “amena cavaqueira imperou e onde, pouco a pouco, os jogadores começaram a ganhar vida”. Percebi e nesse dia que a melhor forma de combater a frustração, a tristeza, é mesmo arregaçar as mangas e ir novamente à luta de cabeça erguida. Ainda assim, recordo-me que no dia da final do EURO’2004, no Estádio da Luz, fui incumbido de transportar a Taça dos Campeões Europeus até ao centro do relvado e do Eusébio com a sua toalha enrolada na mão (o Futebol a este nível fez-me descobrir rituais e crenças no mínimo estranhas). Recordo-me de olhar para a Taça, 15 minutos antes do final do jogo, e ver as fitas vermelhas e verdes e as azuis e brancas à espera para serem colocadas. Sinto ainda hoje a frustração de ver ser gravado o nome da Grécia na Taça e as fitas azuis e brancas a serem colocadas e de entrar em campo, num estádio comovido, com os jogadores portugueses de rastos a agarrar o Eusébio. Momentos que se juntarão a outros, mais “secretos”, que guardarei na memória.

CL – Como está a convivência dos agentes da PSP da Divisão da Amadora com os habitantes do Bairro da Cova da Moura?

POF– A convivência entre os polícias e os habitantes do Bairro Alto da Cova da Moura (BA) é pacífica e pautada por um respeito mútuo. De um lado, os moradores que a pulso construíram as suas vidas, criaram as suas famílias, com muito esforço, longe das suas referências familiares e identitárias e que hoje pretendem que esta presença da PSP seja efectiva e, por outro, os policias, que no quadro das suas atribuições, garantem que não existem territórios esquecidos e que todos são parte integrante deste Concelho. Naturalmente que existem, em todos os Bairros e o Bairro Alto não é uma excepção, um outro lado, no caso uma minoria mais ruidosa, que tende a desvirtuar esta relação da maioria que encontra na paz da harmonia social o seu desígnio de vida. Este é um exercício que fazemos todos os dias, destrinçar claramente que o Bairro Alto não se tornará numa árvore e a minoria ruidosa não se colocará no papel da floresta. É um exercício que pretendemos ser também seguido pela população em geral, para que não seja o local de residência condição para condicionar o acesso às soluções disponíveis para toda a sociedade.  

CL – As operações policiais desencadeadas no Bairro de Casal da Mira, um bairro sensível, já correm melhor?

POF– A relação da PSP com os bairros é, genericamente, uma relação pacífica e pautada por um respeito mútuo. Um bairro sem regras e sem presença de policiamento é um espaço frio, onde as crianças não podem brincar livremente e em segurança (não apenas pela razão securitária da palavra), onde os direitos não são vividos por todos da mesma forma e onde as oportunidades de sucesso pessoal e profissional são acasos da sorte. É, pois, por isso que os habitantes desses bairros pretendem a presença da PSP, solicitam a nossa presença e honram-na. Existem, pontualmente, excepções, a grande maioria por motivos criminais que tornam a presença da PSP junto de uma minoria de habitantes mais complexa e crispada, daí poderem existir momentos de maior animosidade que hoje, pelo uso exacerbado de plataformas digitais, tomam proporções mediáticas maiores do que são na realidade. 

Foto: Paulo Rodrigues

CL – Em alguns bairros da Amadora ocorreram situações em que foram efectuados telefonemas para a Polícia, a denunciar situações de violência doméstica para chamar a PSP ao bairro, e montar de seguida emboscadas aos agentes, com lançamento de pedras e garrafas com ácido. Continuam a ocorrer esse tipo de situações?

POF– O lançamento de pedras e garrafas é uma realidade que constatamos com alguma regularidade, não apenas na Amadora, nos momentos de maior tensão entre a PSP e alguns moradores de zonas mais sensíveis. Solicitar a presença da PSP para a “emboscar” é uma realidade cada vez mais pontual, pois existem formas e meios para validar chamadas, antever necessidades e conduzir as operações previamente à intervenção da PSP. Ainda assim existe uma verdade insofismável, a PSP continuará a ocorrer a todos os Bairros, em todas as ocorrências e no âmbito da nossa integralidade de intervenção, a nossa resposta será na proporção e equilíbrio da ameaça detectada.  

CL – Ser agente da PSP na Amadora exige algum tipo de cuidado especial, atributos/características especiais, comparativamente com o desempenho da função em outras regiões?

POF– Ser Agente da PSP na cidade/concelho da Amadora é um desafio profissional que conferirá ao polícia uma experiência amplificada considerando o volume e tipo de ocorrências com que se deparará ao longo da sua vida. Todos os territórios possuem especificidades que condicionarão o vetor aprendizagem dos polícias, não sendo a Amadora distinta de outros concelhos, pois todos prepararão os polícias para enfrentar as ocorrências com igual determinação. Ainda assim, fruto da minha experiência, acredito que se um “polícia consegue aqui, conseguirá em qualquer ponto do País”, seja qual for a exigência profissional e ocorrência com que se depare. Este território é uma “escola” para muitos polícias que aqui se formaram, cresceram e aprenderam a lidar com situações de elevado stress.   

Foto: Paulo Rodrigues

COVID-19: “A PSP TEM ESTADO NA PRIMEIRA LINHA DA FRENTE”

CL – Que exigências tem trazido a situação pandémica que enfrentamos no apoio prestado aos cidadãos?

POF– Desde o início da pandemia, e de forma mais acintosa com a implementação do Estado de Emergência, que a PSP tem estado na primeira linha da frente, garantindo que todos percebemos, enquanto cidadãos, o papel que desempenhamos na prevenção da propagação do vírus. Este é um papel partilhado com as Autoridades de Saúde e com a Governação do território, para que nenhum cidadão fique sem resposta. Julgo que a Amadora é exemplar nesse trabalho em rede, coordenado localmente pela estrutura de Protecção Civil e que nos permitiu, passado um ano desde o início da situação pandémica, estarmos mais conscientes das nossas capacidades em equipa e da resposta que conseguimos proporcionar. Os policias desta Divisão tiveram que aprender a trabalhar neste “novo normal” com os receios inequívocos de estarmos perante um perigo desconhecido, com as cautelas inerentes aos novos desafios e problemas, mas sempre conscientes que é parte da missão fazê-lo mesmo com o risco para a vida.  

CL – A criminalidade aumentou desde o início da pandemia?

POF– Ainda que os números não estejam ainda totalmente fechados, podemos afirmar que a criminalidade geral e a criminalidade violenta e grave desceram neste Concelho.

CL – Que tipo de criminalidade mais aumentou na Amadora nos últimos anos? E qual a que mais desceu?

POF– Os crimes que mais subiram nos últimos anos, em linha com o resto da área metropolitana (barómetro criminal no País), foram a violência doméstica e as burlas informáticas, sendo inequivocamente áreas onde todos os dias os nossos polícias e investigadores mais se empenham. Os crimes que desceram nos últimos anos, embora não de forma tão sustentada, são os relacionados com o património, em viaturas e residências.

CL – Quais as principais solicitações feitas aos agentes pela população desde o início da pandemia?

POF– Relativamente à pandemia, desde o início, a população no geral pretende que a presença da PSP seja efectiva assim que existem concentrações de pessoas na via pública. Sempre que existem eventuais aberturas ilegais de estabelecimentos, somos instados a verificar se de facto existe o funcionamento ilegal dos aludidos estabelecimentos. 

Foto: Paulo Rodrigues

CL – Quais são as principais preocupações em relação à população mais idosa?

POF– A nossa principal preocupação é continuar a sinalizar as situações mais críticas de solidão que normalmente estão associadas a este estágio da vida e que neste Concelho não são excepção. Infelizmente a pandemia veio tornar ainda mais crítica esta situação de isolamento e solidão, motivo pelo qual continuamos a trabalhar em rede para que a nossa resposta nunca perca por tardia e sejamos impactantes na qualidade de vida e segurança desta população.  

CL – Quais os conselhos que daria aos cidadãos nesta fase de pandemia?

POF– Que sejam todos “agentes de proteção civil” e que não dependam das autoridades para cumprir as regras de confinamento e segurança a que estamos todos obrigados. Acima de tudo, que sejam construtivos nas abordagens, em família, do papel que cada um de nós deve ter enquanto promotor de medidas de segregação do vírus e quebra da cadeia de transmissão. Se mudarmos a forma como educamos os nossos, estamos a contribuir para que as gerações futuras sejam mais responsáveis e conscientes do papel de cada um na sociedade.

CL – Os agentes têm recebido algum tipo de formação especial para poderem responder melhor às solicitações derivadas da crise pandémica que atravessamos?

POF– Sim. Ainda que esta formação seja eminentemente digital, face às restrições pandémicas que existem e que tornam a formação presencial praticamente inexistente neste momento, foi possível dotar os policias da formação crítica para o SARS-COV-2. Para além de uma necessária atualização permanente ao quadro legislativo em vigor, conferiu-se mais dimensão à necessidade do enfoque às medidas de autoprotecção, higienização, contacto com as pessoas e utilização de novos equipamentos.

CL – Têm ocorrido muitos casos de infecção por COVID-19 entre os agentes?

POF– A realidade dos casos positivos e de contágio são coincidentes com os picos de maior propagação de vírus na comunidade. Até ao momento, registámos desde o início da pandemia 64 casos positivos de COVID-19 no seio dos polícias desta Divisão, felizmente todos curados, sem recidivas e aptos a continuarem a trabalhar. Tivemos ainda assim, e no início da pandemia, um polícia que esteve ligado ao ventilador após contacto de risco com um paciente no Hospital Prof. Dr. Fernando da Fonseca, mas que felizmente está a recuperar e motivado.

CL – Qual o apoio que tem sido prestado aos agentes infectados com COVID-19?

POF– Acompanhamos a evolução de todas as situações de infecção dos polícias que temos tido. Felizmente, à excepção de um caso mais complexo, os polícias infectados nesta Divisão recuperaram bem e sem necessidade de uma intervenção subsequente. 

CL – Foi criado algum subsídio especial de risco para a COVID-19?

POF– Não.

Foto: Paulo Rodrigues

CL – O efectivo da Divisão Policial da Amadora foi reforçado nos últimos anos?

POF– Sim. Nos últimos contingentes de ingresso de Agentes e de Chefes, bem como de Oficiais, a Divisão da Amadora foi beneficiada com novas entradas.

CL – Qual o actual número de efectivos destacados na Divisão da Amadora?

POF– Esse é um número que não detalhamos, podemos, no entanto, atestar que serão mais de 400 os polícias que desempenham funções na Divisão Policial da Amadora 

CL – A Divisão da Amadora tem falta de agentes?

POF– Os polícias nunca serão os ideais para as atribuições que possuímos e pela qualidade de resposta que pretendemos conferir às pessoas. Ainda assim, a Divisão Policial da Amadora possui os polícias suficientes para garantir uma resposta atempada, célere e de qualidade às ocorrências para as quais somos chamados. 

CL – Os meios postos à disposição da Divisão da Amadora têm sido suficientes?

POF– Até ao momento, nenhuma resposta policial urgente ficou por dar por não possuirmos recursos humanos e materiais suficientes. Existem naturalmente, fruto do desgaste e do uso, alguns equipamentos que necessitam de ser substituídos, que não colocam em causa a nossa resposta tempestiva e que, naturalmente, serão objeto de reposição de acordo com as respostas institucionais.

Autor: Luís Curado

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