Santuário da Rocha deseja museu para assinalar 200 anos

O Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, no vale do Jamor em Linda-a-Pastora, território da União de Freguesias de Carnaxide e Queijas (concelho de Oeiras), junto à Autoestrada de Cascais (A5) e próximo do Estádio Nacional, prepara-se para festejar uma data muito especial. No dia 31 de Maio de 2022 assinalará o segundo centenário da aparição da imagem de Nossa Senhora da Conceição Padroeira de Portugal numa gruta junto ao rio Jamor. Longedo fulgor de outros tempos, quando o Santuário era destino de romagem bastante procurado pelos crentes, entre os quais se encontravam destacadas figuras da monarquia, os responsáveis pela gestão e conservação do monumento desejam reactivar a tradição e comemorar a data com a dimensão que o local merece.

“Normalmente, as festas em honra de Nossa Senhora da Rocha duram 10 dias, por altura da última semana de Maio, começam numa sexta-feira e terminam, passada uma semana, no domingo seguinte. Este ano, não foi possível assinalar a data devido à pandemia COVID-19. Para o ano e em 2022, vamos ver como vai ser”, começa por dizer António Cortes, de 74 anos, que tem assumido o cargo de Tesoureiro da Mesa Administrativa da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, uma associação pública de fiéis católicos fundada em 23 de Setembro de 1893, que assegura, em nome do Patriarcado de Lisboa, a gestão de todo o património do Santuário e procura atingir outros objectivos, entre os quais promover e subsidiar o culto da sagrada Eucaristia e intensificar o culto da Nossa Senhora da Conceição.

“Neste momento, devido à pandemia, é complicado fazer qualquer espécie de agendamento, na medida em que não sabemos o que vai acontecer no futuro, mas existe um grande desejo de assinalar a data convenientemente. Vamos dizer como é que gostaríamos de o fazer. No que diz respeito à parte religiosa, será celebrada missa solene e realizada a procissão com a Nossa Senhora. Na vertente profana, teremos a presença dos feirantes nos terrenos adjacentes ao santuário e um arraial”, refere António Cortes, sublinhando que a associação gostaria de fazer dois convites especiais: “De acordo com aquilo que for possível na altura, tencionamos convidar o Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa e o Sr. Dom Duarte de Bragança, que tem uma certa afeição pelo Santuário.”

Foto: Paulo Rodrigues

DOIS DESEJOS PARA AJUDAR À FESTA

Para que a festa do II Centenário possa atingir a dimensão desejada pela Irmandade, que, apesar de todas as dificuldades, agora acrescidas pela crise pandémica que atravessamos, tem procurado manter a sua actividade em vários domínios sem baixar os braços, seria muito importante conseguir concretizar dois desejos: que as obras prometidas pela Câmara Municipal de Oeiras (CMO) para devolver a dignidade ao espaço adjacente ao Santuário possam terminar antes de 31 de Maio de 2022 e que seja possível levar por diante o sonho de criar um Museu de artefactos religiosos acumulados ao longo dos anos, que possa ser visitado num espaço digno preparado para o efeito, que venha a ser criado dentro do edifício que alberga a igreja.

No que às obras diz respeito, a Irmandade tem conhecimento de que o projecto de recuperação do jardim e dos espaços e estruturas envolventes (em discussão pública) está actualmente orçado em 1,6 milhões de euros, mas ainda não tem a informação de quando é que vai ser possível avançar com a intervenção, que já esteve planeada para 2019 e está previsto ser financiada pela autarquia oeirense. Também ainda não há uma certeza sobre a possibilidade de parte dessa verba poder vir a ser utilizada para efectuar algumas reparações de carácter mais urgente no Santuário (construído entre 1830 e 1892), nomeadamente na cobertura do edifício, que regista alguns problemas de infiltração que podem pôr em causa o estado das instalações no interior.

“Está prometido pela CMO o arranjo do Santuário nas partes adjacentes exteriores, quer do lado direito, quer do lado esquerdo. Antes das comemorações, isto já estava programado de modo a dar ao Santuário a dignidade que antigamente já teve. Quando falo com pessoas desses tempos que vinham cá às festas, elas referem a beleza que era vir aqui. Por exemplo, a minha mulher lembra-se, quando era miúda, que as pessoas vinham em romaria por aí fora, deste Lisboa até aqui, para assistir às festas da Nossa Senhora da Conceição da Rocha. Portanto era uma festa muito apreciada. Se for possível, é evidente que os tempos são outros, já não será da mesma maneira… mas se for possível, vamos tentar alcançar a mesma implantação. Vamos fazer tudo por forma a que a data seja correctamente assinalada”, garante o Tesoureiro da Irmandade.

Foto: Paulo Rodrigues

MUSEU PARA VALORIZAR ESPÓLIO ACUMULADO

O espaço museológico desejado pela Irmandade serviria para acondicionar parte do recheio actualmente guardado no edifício do Santuário e que foi sendo acumulado ao longo dos anos, em grande parte devido a inúmeras ofertas feitas à imagem de Nossa Senhora da Conceição da Rocha. Fazem parte desse espólio: uma colecção que reúne mais de uma centena de mantos (réplicas do manto da imagem exposta na igreja) oferecidos por noivas que casaram no Santuário, alguns dos quais bordados por princesas e infantas de Portugal, imagens e castiçais em talha dourada, coroas, paramentos antigos e outros artigos religiosos.

“Teremos que aproveitar a estrutura do edifício do Santuário, porque não há dinheiro para outra situação. Ainda não há nada planeado, nem tão pouco um projecto. Para já, há só a intenção de fazer o Museu. Falámos muito superficialmente com a Câmara sobre este desejo, mas não adiantámos mais nada. Actualmente, o ambiente em que as peças estão guardadas não é bom e isso preocupa-nos. Para começar a pensar mais seriamente no assunto, necessitávamos que uma pessoa entendida em Museologia fizesse o inventário de tudo o que temos guardado e apresentasse ideias para avançar com o projecto. Mas, antes, precisávamos de fazer a requalificação do espaço e, para isso, seria necessário um apoio. Se do orçamento para as obras dos espaços exteriores do Santuário viesse um bocadinho para ali…”, comenta o Tesoureiro da associação.

Com as comemorações do II Centenário no horizonte, a Irmandade recorda com tristeza que, este ano, não foi possível fazer a festa em honra da Nossa Senhora da Conceição da Rocha, como habitualmente, na última semana de Maio, devido à pandemia. A última vez que o evento foi realizado, em 2019, contou com uma preciosa ajuda. “A União de Freguesias de Carnaxide e Queijas tem colaborado na organização das festas. No ano passado, assumiu a parte profana das festas (o contacto com os feirantes e artistas) e nós ficámos com a parte religiosa. Para nós, foi bom, poupou-nos também a muitos trabalhos e dificuldades. É uma colaboração para continuar, tem sido um relacionamento excelente. Vamos esperar que no próximo ano já seja possível voltar a realizar a festa e ter a possibilidade de fazer o arraial. Seria espectacular para todos nós.” 

Foto: Paulo Rodrigues

PANDEMIA OBRIGA A ESFORÇOS REDOBRADOS

Emílio Pereira, também já reformado, 70 anos, Primeiro Juiz da Mesa Administrativa da Irmandade, outro dos pilares da associação de fiéis que acompanha os desígnios do Santuário, realça o trabalho necessário para estabelecer o plano de actividades para o próximo ano, depois de um 2020 bastante atípico, condicionado pela pandemia COVID-19, que reduziu ao máximo as verbas recebidas para a gestão do património e o número de colaboradores que asseguram a gestão do monumento. 

“A associação conta com 173 associados inscritos, mas actualmente só nós dois, eu e o Sr. António Cortes, é que continuamos a assegurar todo o trabalho. A maioria dos nossos colegas tem uma idade avançada e estão obrigados ao confinamento para evitarem riscos acrescidos de contágio. Por isso, tem sido muito complicado assegurarmos tudo o que é preciso”, comenta, sublinhando as obras realizadas na Casa dos Sacerdotes, com o apoio da autarquia, e vários outros melhoramentos nas instalações.

“Apesar de estarem inscritos nas listas 173 irmãos, destes uns 30 por cento já terão falecido, pelo que digamos que estão, na realidade, cerca de 120 pessoas na associação. Destes, pagam quotas entre 20/30. Por outro lado, dos 120 inscritos, muitos já têm mais de 70 anos e poucas possibilidades de participarem mais activamente no trabalho que é preciso desenvolver no Santuário. Portanto, neste momento, um dos problemas é exatamente esse, de recursos humanos”, destaca Emílio Pereira.

Esta dificuldade resultante da elevada idade da maioria dos irmãos, agravada pela pandemia, tem causado grandes constrangimentos na gestão do Santuário. “Atendendo às circunstâncias e à sua elevada idade, muitos irmãos são aconselhados a não vir para um aglomerado de gente. Há casais que desde o início da pandemia nunca mais vieram. Há poucas famílias jovens, que trazem os filhos, mas também não se podem empenhar, pois têm as suas vidas”, salienta o Primeiro Juiz.

Foto: Paulo Rodrigues

NOVO REITOR RECÉM-CHEGADO AO SANTUÁRIO

Recém-chegado ao Santuário, onde tem assumido a função de reitor desde Outubro de 2019, o Padre António Correia, de 77 anos, natural da Madeira, tem a responsabilidade de celebrar uma missa todos os domingos, às 12h30. Desde o início da pandemia COVID-19, o sacerdote assistiu à queda do número de fiéis presentes na igreja, com capacidade para cerca de 150 pessoas sentadas, que recebeu obras de restauro profundas no início deste século. 

“Costumávamos ter umas 40/50 pessoas a assistir à missa. Com a pandemia, esse número caiu para menos de metade. Ultimamente, recuperámos um bocadinho, mas com as notícias mais recentes sobre o aumento do número de pessoas infectadas com a doença, voltámos a ter menos pessoas”, assinala. Para o futuro, alimenta o desejo de que a pandemia passe depressa e que o Santuário consiga com as festas do II Centenário recuperar parte do fulgor e alegria de outros tempos. 

“De momento, não é possível nem viável aumentar o número das eucaristias ou fazer celebrações semanais. Seria diferente se o santuário voltasse a ter a importância que tinha há um século. Mas já não tem e vai ser muito difícil voltar a ter. Agora, se com o choque do bicentenário, se conseguisse alguma coisa que pudesse fazer com que as pessoas ficassem mais ligadas ao Santuário e pudessem vir cá mais vezes já seria diferente”, refere o Padre António Correia.

Foto: Paulo Rodrigues

BREVE HISTÓRIA E DEVOTOS ILUSTRES

A História da imagem da Nossa Senhora da Conceição da Rocha remonta a 31 de Maio de 1822, quando foi encontrada numa gruta (ainda existente) na margem direita do rio Jamor, que passa ao lado do Santuário. Com a justificação de que o local não reunia as condições necessárias para prestar um culto digno, a imagem acabou por ser transladada para a Sé Patriarcal de Lisboa, em Agosto de 1822, por ordem do rei D. João VI.

Mais tarde, em 20 de Agosto de 1883, registou-se um novo processo de transladação da Imagem, desta vez da Sé Patriarcal de Lisboa para a Igreja Paroquial de São Romão de Carnaxide. Foi preciso aguardar até Maio de 1893 para que a imagem pudesse regressar definitivamente ao local onde tinha sido encontrada, após ter sido concluída a construção do Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, por cima da Gruta da Aparição.

O templo, propriedade da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, é da autoria do arquitecto José da Costa Sequeira e foi construído entre 1830 e 1892. A cerimónia de inauguração, em 1893, contou com a presença da rainha D. Amélia e dos príncipes D. Luís Filipe e D. Manuel, bem como de Hintze Ribeiro, Presidente do Conselho, entre outras figuras de relevo. Entre as personalidades ilustres devotas de Nossa Senhora da Rocha contam-se o rei D. Miguel e o político e escritor Tomás Ribeiro. 

Autor: Luís Curado

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