COVID-19 faz casal apostar em rede de Hortas Caseiras Orgânicas

Tempos de crise também podem ser de oportunidade para empreendedores que saibam lançar respostas inovadoras capazes de atrair a atenção de investidores e consumidores. A pandemia de COVID-19 veio levantar inúmeros problemas a toda a sociedade, colocou à prova todas as bases em que tem assentado o nosso dia-a-dia. A estabilidade, a rotina, o que tomávamos como certo, rapidamente deram lugar a um quotidiano incerto, capaz de alterar por completo as nossas vidas. 

A seguir à tragédia da doença, quando ainda nos adaptávamos às novas circunstâncias da vida, às exigências de um Mundo diferente, ocorreu uma nova onda de impacto, com os efeitos da pandemia e do consequente confinamento a fazerem-se sentir de forma brutal na Economia. Os números da quebra de actividade económica à escala global não deixam dúvidas a ninguém, vem aí uma crise económica de efeitos ainda desconhecidos acompanhada de uma consequente crise social.    

Apanhados nesta onda de impacto, Rui Borralho e a família perderam quase todos os seus rendimentos na sequência da pandemia e viram-se na necessidade de encontrar rapidamente uma alternativa viável para seguirem em frente com as suas vidas. A opção escolhida foi criarem uma rede de Hortas Caseiras Orgânicas em terrenos devolutos em Colares, no concelho de Sintra, e disponibilizar produtos hortícolas livres de agroquímicos aos consumidores locais. 

“De um momento para o outro, a nossa família perdeu a quase totalidade do seu rendimento devido à pandemia Covid-19. Dado que tínhamos investido as nossas economias na iniciativa NaturSintra de alojamento local turístico, que parou por completo, a nossa empresa Naturlink de comunicação ambiental ficou praticamente inactiva e a minha esposa perdeu o seu emprego”, explica Rui Borralho, de 56 anos, um dos mentores do projecto.

“Neste contexto, decidimos reinventarmo-nos, apostando na produção de produtos hortícolas sem agroquímicos, dado que acreditamos que a produção hortícola orgânica é cada vez mais procurada e necessária, garantido igualmente alimentos saudáveis para a nossa família. O passo seguinte foi estabelecer uma forma de encontrar terrenos agrícolas onde produzir, dado que só tínhamos um pequeno quintal na nossa casa”, prossegue o engenheiro florestal, doutorado em Ecologia e Gestão Faunística.

MUDANÇA PARA NOVO PROJECTO DE VIDA 

Para poderem seguir em frente com o seu novo projecto de vida, a NaturHortas, Rui Borralho e a mulher, Marília, de 51 anos, com frequência universitária em Ciências Veterinárias, decidiram contactar amigos e vizinhos que possuíam terrenos de pequena e média dimensão que há muito tempo não eram explorados, propondo-lhes a criação de “uma rede de hortas caseiras, em que os proprietários autorizam a utilização dos terrenos e disponibilizam a água”.

Em contrapartida disso, da sua parte, o casal contribuía com a capacidade de trabalho e com os restantes factores de produção, como, por exemplo, sementes para semear, mudas para plantar, as ferramentas necessárias e fertilizantes biológicos, fornecendo também produtos hortícolas frescos às famílias dos donos dos terrenos e comercializando e distribuindo a restante produção pelos clientes. “O projecto insere-se num contexto ecossocial, intervindo nos três eixos essenciais da sustentabilidade: ambiente, economia e sociedade”, sublinha Rui Borralho. 

A ideia precisava de financiamento pelo que o casal Borralho decidiu lançar uma campanha de angariação de fundos através da plataforma de ‘crowdfunding’ (financiamento colectivo) GoFundMe. Criada em Maio, a campanha tinha por objectivo recolher 4.750 euros. No final de Setembro, esta meta já tinha sido ultrapassada, com mais de 5.000 euros provenientes de 142 doações, a partir de 5 euros e até aos 500 euros, com a empresa NaturHortas – Agricultura Sustentável, Lda a ser criada nessa altura.

“Recorremos à plataforma GoFundMe para obtermos os fundos necessários para ultrapassar o período que mediou entre o cultivo das NaturHortas e o início da comercialização e distribuição das primeiras hortícolas que estamos a produzir. Por outro lado, a campanha que lançámos constituiu simultaneamente uma forma de divulgar a iniciativa NaturHortas, de angariar futuros clientes e até de encontrar investidores que desejaram envolver-se nesta iniciativa”, refere Rui Borralho.

Foto: Paulo Rodrigues

APROVEITAR TERRENOS ABANDONADOS

“O nosso projecto conduz à produção de alimentos ambientalmente mais favoráveis e saudáveis; aproxima os consumidores dos produtores locais, reduzindo os custos de distribuição e de comercialização; e envolve os vizinhos e as comunidades locais, reutilizando terrenos agrícolas não raras vezes há muito abandonados”, assinala o casal responsável por idealizar, planear e concretizar o projecto ecossocial proposto pela NaturHortas.

Pelo facto de estarem sediados em Colares, as primeiras hortas caseiras estão a ser implementadas no concelho de Sintra. No entanto, o casal tem o objectivo mais vasto de alargar a Rede NaturHortas a outras zonas do País, procurando para isso “proprietários e parceiros que desejem envolver-se neste projecto e se revejam nos seus princípios”, para poder chegar “a consumidores que queiram usufruir de vegetais ambientalmente mais favoráveis, mais saborosos e saudáveis”.

Após ter sido atingido o primeiro objectivo de obter o financiamento necessário para seguir em frente com o projecto, “o passo seguinte, a decorrer, é fazer crescer a Rede NaturHortas, dado que nesta fase da iniciativa já temos mais procura do que oferta de NaturHortícolas para distribuir e comercializar. Felizmente estamos a conseguir comercializar e distribuir tudo o que produzimos”, revela Rui Borralho, adiantando que a distribuição dos produtos hortícolas frescos já está a funcionar.  

“Iniciámos o cultivo das primeiras NaturHortas no final de Abril/início de Maio, tendo produzido diversas hortícolas de Primavera/Verão, como feijão-verde, tomates, alface e cebolas, entre outros. Agora, estamos a entrar na época de Outono/Inverno, apostando mais em couves diversas, alho-francês, nabos e leguminosas da época. Para já, estamos ainda restritos ao cultivo e distribuição no distrito de Lisboa, mas esperamos alargar a Rede NaturHortas para lá do distrito de Lisboa até ao final de 2020”, informa.

VANTAGENS PARA TODAS AS PARTES

Nesta fase de lançamento do projecto, o casal Borralho não tem sentido dificuldades de encontrar terrenos para implementar as NaturHortas. “Temos recebido propostas de utilização de terrenos localizados de Norte a Sul de Portugal, e não só. Isso resulta do facto de ser mutuamente vantajoso para nós e para os proprietários a lógica da Rede NaturHortas, dado que fornecemos hortícolas saudáveis às famílias dos proprietários sem que estes nos tenham que remunerar para tal, enquanto que do nosso lado acabamos por poder implementar uma rede de hortas sem comprar nem arrendar quaisquer terrenos”, justifica Rui Borralho, acrescentando que já foram contactados por “proprietários de dezenas de terrenos localizados de Bragança a Tavira” e até por “pessoas interessadas em participar e investir na iniciativa a partir de locais tão afastados como o Brasil e São Tomé e Príncipe”.

O nível de respostas/apoios obtidos acabou por levar o projecto para um patamar diferente daquele que estava inicialmente previsto. “No momento em que decidimos avançar com a iniciativa NaturHortas, o nosso objectivo essencial era conseguir alimentos para a nossa família e gerar algumas receitas com a distribuição das NaturHortícolas. Entretanto, as respostas que fomos tendo e o interesse gerado acabaram por ultrapassar largamente as nossas expectativas iniciais”, admite o sócio fundador da empresa.

“Nesta altura, apontamos para a criação de uma rede de NaturHortas de âmbito nacional e já criámos a empresa NaturHortas – Agricultura Sustentável, Lda, para alcançar esse objectivo, beneficiando do apoio de investidores que nos descobriram através da campanha que lançámos na plataforma GoFundMe”, assinala Rui Borralho, que ambiciona “criar uma rede de núcleos regionais de NaturHortas, espalhados por todo o País, e com produção e distribuição local das hortícolas produzidas sem recurso a quaisquer agroquímicos”. 

“Trata-se de um projecto ecossocial, no sentido em que intervém nos três eixos essenciais da sustentabilidade: ambiente, economia e sociedade. Produzimos, comercializamos e distribuímos produtos hortícolas saudáveis, mais saborosos e ambientalmente favoráveis, envolvendo as comunidades locais e recorrendo a solos agrícolas que não estão a ser utilizados”, precisa o mentor e sócio fundador da NaturHortas.

Foto: Paulo Rodrigues

CULTIVAR SEM RECURSO A AGROQUÍMICOS

“Iniciámos esta aventura só com o trabalho da minha mulher e o meu. Depois beneficiámos da participação de um amigo próximo proprietário de um dos terrenos onde se situa uma das primeiras NaturHortas e, mais tarde, dos investimentos de um investidor português e de outro brasileiro. Neste momento, estamos a reunir com potenciais parceiros técnicos que actuarão como sócios locais e que implementarão no terreno as novas NaturHortas com a nossa coordenação e apoio”.

Questionado sobre como surgiu a ideia de apostar numa produção saudável de hortícolas com recurso a métodos biológicos e sem a utilização de agroquímicos, Rui Borralho responde que a opção não é de agora: “A Marília e eu sempre cultivámos hortas sem recurso a agroquímicos, ainda que só numa perspectiva de consumo familiar, por ser mais saudável e ambientalmente mais favorável.”

Entretanto, a pandemia de COVID-19 e as circunstâncias pessoais e económicas em que subitamente o casal se encontrou, levou-o a procurar “uma via produtiva que não fosse negativamente afectada por este contexto”, acabando por considerar que “a alimentação saudável e a produção e distribuição local de hortícolas com estas preocupações era de facto uma via a apostar”. Uma via que está a começar a dar os seus frutos e promete conquistar um nicho de mercado por mérito próprio.

Os leitores interessados em ficar a conhecer melhor o projecto NaturHortas lançado pela família Borralho podem consultar os links: https://pt.gf.me/v/c/gfm/naturhortas-rede-de-hortas-caseirashttps://www.facebook.com/naturhortas/

ANGARIAÇÃO DE FUNDOS

A GoFundMe é a maior página na Internet de angariação de fundos do Mundo, contando com uma comunidade que, no final de 2019, tinha já assegurado mais de 120 milhões de doações, em resposta aos projectos propostos por empreendedores que necessitam de financiamento para poderem implementar as suas ideias e/ou negócios.   

Criada nos Estados Unidos da América em Maio de 2010, por Brad Damphousse e Andrew Ballester, a GoFundMe já permitiu angariar mais de 9 biliões de euros, permitindo às pessoas recolherem fundos para inúmeros projectos, como eventos, desejos, educação, saúde, animais, religião e negócios, entre outros.

CRISE OBRIGA A MUDAR DE VIDA

Antes de apostar no projecto ecossocial NaturHortas, o casal Borralho investiu todas as suas poupanças num alojamento local. Severamente afectados pelo forte abrandamento da actividade turística devido à pandemia COVID-19, sem rendimentos e sem emprego, Marília (51 anos) e Rui (56 anos) viram no pequeno quintal da sua casa uma oportunidade para desenvolverem um projecto que os ajudasse e, ao mesmo tempo, devolvesse parte do seu trabalho à comunidade.

Marília Borralho tem frequência universitária em Ciências Veterinárias e Rui é Engenheiro Florestal, tendo-se doutorado em Ecologia e Gestão Faunística. Antes da pandemia, trabalhavam na área da comunicação ambiental e tinham iniciado em 2019 a iniciativa NaturSintra de alojamento local sustentável, que estava a decorrer muito bem e em franco crescimento até a pandemia de COVID-19 lhes bater à porta e fazer desmoronar o projecto onde tinham investido as suas economias.

Autor: Luís Curado

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