Adozinda Pereira: “A minha vida é uma luta”

Adozinda Henriqueta Borrego Pereira, residente em Carnaxide (Oeiras), é uma mulher de coragem. Aos 73 anos, já reformada e com uma saúde precária, continua a ser o pilar principal que sustenta a sua família, atingida ferozmente pelo infortúnio. A falta de saúde e as circunstâncias da vida, por vezes madrasta, implacável, vieram colocar em causa a estabilidade que sempre procurou alcançar para enfrentar com tranquilidade o Outono da sua idade. O marido, Augusto Ferreira Pereira, de 75 anos, ex-bombeiro na corporação de Voluntários do Dafundo, foi diagnosticado como doente oncológico e renal há cerca de 10 anos e ostenta uma incapacidade de 98 por cento, enquanto o filho, Luís Miguel, actualmente com 46 anos, também ele ex-bombeiro, sofreu um acidente de moto há 23 anos que o deixou com uma incapacidade de 92 por cento e totalmente dependente dos pais.  

Estes infortúnios da vida dominada por tamanhas dificuldades já seriam suficientes para complicar bastante a existência de Adozinda Pereira, uma mulher de garra natural de Castelo Branco que não volta a cara à luta diária para assegurar o bem-estar e a estabilidade possíveis que garantam a subsistência da sua família. Contudo, a complicar ainda mais a situação, a crise pandémica que atravessamos veio ensombrar ainda mais o dia-a-dia desta mulher que luta por manter a família à tona de água. Uma resistência própria de quem não desiste do que lhe é mais querido: o filho e o marido, ambos com uma elevada taxa de incapacidade que prejudica significativamente os seus quotidianos, transformados numa batalha diária pela sobrevivência. “Com o confinamento, eu e o meu marido temos dado em doidos, porque o Luís quer ir ali, quer ir aqui, quer sair de casa para espairecer. É muito cansativo”.

Muitas vezes, a luta constante travada contra as adversidades empurra esta mãe coragem para um desespero difícil de enfrentar, suga-lhe as forças. “Por vezes, tenho momentos muito maus. Fecho os olhos e penso em desistir. Quantas vezes eu tenho esses momentos… Mas depois digo para mim mesma: ‘Oh meu Deus, mas eu faço tanta falta a estes dois’. Eu sei que eles precisam muito de mim para seguirem em frente. Só desejo que Deus me vá dando forças, que às vezes já não tenho, pois sei que sou o pilar desta casa”. Adozinda Pereira explica assim a razão da sua resiliência, acompanhando as palavras com um sorriso triste. Ela própria procura controlar no corpo e na mente as dores que a doença lhe tem trazido. Ela própria está limitada por uma incapacidade de 60 por cento. “Eu também sou uma pessoa extremamente doente”, assinala. 

Foto: Paulo Rodrigues

“TEMOS QUE LUTAR PELA VIDA ENQUANTO PODEMOS”

Adozinda Pereira enfrenta várias situações complicadas de saúde que lhe diminuem a capacidade física. “Tenho a Talassemia no sangue. Sou alérgica aos medicamentos todos. Tenho também uma bactéria no estômago (Helicobacter pylori, que é um factor de risco para o desenvolvimento do cancro gástrico), uma gastrite e uma úlcera. O meu organismo está a rejeitar tudo, sou alérgica a muitos medicamentos e nem sempre consigo fazer a medicação convenientemente”, refere, para acrescentar logo de seguida: “Nós temos que lutar pela vida enquanto a gente pode e eu tenho sido uma lutadora ao longo deste tempo todo. Vou fazer 74 anos e ando nesta tristeza desta vida por causa de tanta coisa em cima das minhas costas. O meu médico costuma dizer: ‘Adozinda, você é o pilar da casa, não se pode deixar ir abaixo’ e é verdade, é isso que não me deixa desistir”.

Luís Miguel Pereira, o filho do casal, sofreu um grave acidente de moto em 1997, que o deixou dependente para o resto da vida, aos 23 anos de idade, sem qualquer perspectiva de uma existência normal, sem poder constituir família e sem poder trabalhar, dominado por um estado de depressão profunda que muitas vezes o deixa num estado de completo desespero, à beira do suicídio, que já o tentou em algumas ocasiões. Na altura do acidente, era “um jovem promissor, educado, de bons princípios e bem formado”, atributos que o fizeram passar ao quadro de honra dos Bombeiros Voluntários do Dafundo, onde ingressou desde tenra idade. “Era um exemplo, um rapaz impecável”, recorda Carlos Jaime, actual comandante da corporação do concelho de Oeiras.   

“O meu filho esteve durante três meses e meio em coma e três anos e meio em cadeira de rodas, sempre a usar fraldas. Eu e o pai temos estado sempre a lutar por ele, sem nunca desistirmos. Temos que lhe dar banho, fazer-lhe a higiene toda, pois ele está totalmente dependente. O meu filho era um excelente bombeiro, que dava a vida dele pelos outros, está no quadro de honra. O Luís Miguel foi para bombeiro ainda mascote, tinha apenas seis aninhos. O meu filho foi criado nos bombeiros. Desde que está assim, dependente, tem sofrido grandes momentos de desespero, até já espetou uma faca nele próprio, porque viver assim não é fácil, ele perdeu a autonomia toda. O meu marido, que está oncológico e a fazer hemodiálise três vezes por semana, também está no quadro de honra dos Bombeiros do Dafundo, onde serviu durante 40 e tal anos e chegou a ser segundo comandante”.

Foto: Paulo Rodrigues

MÃE CORAGEM PEDE APOIO PARA FILHO DEPENDENTE

Adozinda Pereira gostava muito que o filho “fosse visto por um neurocirurgião que pudesse analisar o caso dele. Disseram-me que há um médico muito bom em Coimbra, que é neurocirurgião… Falaram-me também da possibilidade de lhe colocarem um chip na cabeça por causa das tremuras que tem frequentemente. Estou a ver o meu filho a piorar de dia para dia. Como mãe, queria fazer qualquer coisa que estivesse ao nosso alcance. O Luís Miguel está a apanhar uma injecção de 15 em 15 dias, na Psiquiatria, para ficar mais calmo, mas muitas vezes vamos dar com ele a chorar, até já tentou suicidar-se. Precisava que ele fosse mais acompanhado pelos médicos, que fizesse também Fisioterapia e tivesse uma ocupação que pudesse desenvolver. Ele tem uma perna a mirrar, muito mais magrinha do que a outra, e está com umas tremuras enormes.”

Esta mãe de família guerreira, protagonista de uma luta diária madrasta fortalecida apenas pelo amor incondicional à família, lança um apelo pungente a quem de direito: “Desejava que ajudassem mais o meu filho, porque brevemente ele vai ficar preso numa cadeira de rodas, ele já não anda, só mesmo agarrado à gente, com muita dificuldade. O meu filho precisa urgentemente de um maior acompanhamento médico, de ser visto por um neurocirurgião e de fazer Fisioterapia. O que eu levo no coração é o meu filho, porque ele agora tem a mãe, tem o pai…, mas quando a gente partir gostava de houvesse uma instituição que nunca abandonasse o Luís Miguel. Já não tenho idade para lidar com isto, mas Deus dá-me a força que eu mereço. Deus dá-me a recompensa, porque eu gosto de fazer bem a toda a gente. Deus está comigo!“

Ao longo dos últimos anos, Adozinda Pereira tem tido algumas ajudas. Nesse âmbito, faz questão de agradecer os apoios recebidos. “Quero agradecer do fundo do meu coração ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Isaltino Morais, ao Presidente da União de Freguesias de Carnaxide e Queijas, Inigo Pereira, ao Director do TIO (Teatro Independente de Oeiras), Carlos d’Almeida Ribeiro, e ao comandante dos Bombeiros Voluntários do Dafundo, Carlos Jaime, e a todas as pessoas que nos têm estado a dar a sua ajuda e apoio.” “Além das ajudas que tenho recebido, todas elas muito necessárias, por vezes, também é muito importante ouvir uma palavra amiga, que ajuda a tirar-nos o negrume da alma, quando enfrentamos momentos mais difíceis, quando estamos a ficar mais cansados, sem forças”, confessa.

TODAS AS AJUDAS POSSÍVEIS SÃO BEM-VINDAS

Uma das maiores contribuições para ajudar a família Pereira tem sido dada pela própria Adozinda, que não tem deixado cair os braços e com uma força de vontade alimentada pelo amor ao filho e ao marido tem mantido um ritmo de trabalho já impróprio para a sua idade e estado precário de saúde para poder assegurar o sustento dos três. Antiga cozinheira, uma profissão que desempenhou durante mais de 30 anos numa pastelaria em Queijas, continua a confeccionar em casa marmeladas, várias compotas (figo, tomate, pera rocha, maçã reineta…), licores (poejo, amêndoa amarga, ginjinha, hortelã, tangerina, orégãos…) e diversos tipos de artesanato, que vende em algumas feiras, juntamente com chás caseiros que prepara à base de plantas recolhidas na Natureza, frutos secos, queijos de ovelha e outros produtos da terra. 

“Eu tenho que deitar a mão a alguma coisa para ajudar a minha família. Tenho licenças que me foram dadas pela Câmara de Oeiras para conseguir ganhar algum dinheirinho. Levo uma mesinha e exponho os meus produtos no Jardim Cívico e no Mercado de Carnaxide, em Queijas, no Lions Clube de Oeiras e posso estar também aqui no Alto dos Barronhos, em Carnaxide, a vender”, informa, deixando um apelo a quem desejar encomendar alguns dos seus produtos, que o pode fazer através do seu telemóvel de contacto: 924 397 971. Outra forma de poder ajudar esta família carenciada é através da doacção de bens e/ou artigos mais antigos que Adozinda Pereira possa vender nas feiras de velharias onde também costuma participar para ajudar a assegurar o sustento do lar. “Como eu vendo estas coisinhas, até podia ser que as pessoas me quisessem ajudar e telefonassem para mim. Para ver se a nossa vida vai para a frente…”, justifica.

Autor: Luís Curado

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