Grupo artístico da Amadora divulga Cultura Africana

Dina Furtado nasceu a 27 de Fevereiro de 1965 em Cabo Verde, de onde partiu com apenas seis meses de idade em direcção a São Tomé e Príncipe. Aos cinco anos, chegou a Portugal onde o seu gosto pelo mundo do espectáculo e a sua vontade de ajudar os outros culminaram na criação da Sankofa, um grupo de dança que é também uma ‘casa’ para as crianças que por ali passam. O jornal ‘O Correio da Linha’ esteve à conversa com Dina para conhecer melhor o trabalho levado a cabo por esta associação da Amadora.

Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – Como surgiu a ideia de criar o grupo Sankofa?

Dina Furtado (DF)– Ao longo da minha vida fiz parte de vários grupos artísticos onde fui aprendendo e ganhando experiência, mas como sempre sonhei alto, há 39 anos, decidi formar o meu próprio grupo. Inicialmente o Sankofa chamava-se Estrelas da Paz e era um grupo coral. Actuámos em vários festivais infantis onde conseguimos sempre alcançar um lugar no pódio. Entretanto, o canto foi desaparecendo de forma espontânea e ficou apenas a vertente da dança.

CL – Qual o significado de Sankofa? 

DF– O nome foi sugerido por um coreógrafo ganês que nos deu um workshop de danças tradicionais do Gana. Sankofa é um pássaro mítico do Gana que está a caminhar e que de repente olha para trás. Ao olhar para trás, ele está a preservar a cultura dos seus antepassados, que é o que nós fazemos aqui, preservamos a cultura e as tradições das nossas famílias.

Foto: Arquivo

CL – Que tipos de dança praticam?

DF– Praticamos afrobeat, hip-hop, funaná, afro house e reggaeton.

CL – Quem está responsável pelas coreografias?

DF– A minha filha Janine faz as coreografias e eu faço as sequências. Além disso, também sou eu que trato das roupas e das pinturas faciais que fazemos quando vamos actuar.

CL – Onde costumam actuar?

DF– O nosso palco principal é a rua. É na rua que damos a conhecer a cultura africana. Além disso, é também a forma que temos de sustentar o Sankofa, uma vez que é com o dinheiro que angariamos nas actuações de rua que conseguimos pagar as nossas roupas, a alimentação, os transportes e as nossas viagens. Há muitos artistas que nos vêem a dançar na rua e que nos convidam para actuar. Foi o caso da coreógrafa internacional Jeny Bsg, que nos tem apoiado muito. A convite dela, temos feito apresentações em vários festivais internacionais, sendo que nós apenas temos de pagar as nossas passagens, o resto é tudo a cargo dela. Ela tem-se dedicado ao Sankofa de alma e coração.

O ano passado, actuámos em sete países: França, Bélgica, Alemanha, Holanda, Espanha, Inglaterra e Cabo Verde. Também actuámos num espectáculo do C4Pedro, em Albufeira, em que tivemos direito a hotel com tudo pago. As crianças adoraram, parecia um sonho. Na altura, os miúdos que não foram ficaram tristes por não terem tido aquela experiência. Então, fizemos vários espectáculos de rua e com o dinheiro que juntámos fomos todos ao Aquashow de Leiria. Foi mágico!

Foto: Arquivo

CL – Também costumam participar em programas televisivos…

DF– De há alguns anos para cá, temos feito muitas apresentações na televisão. Estivemos no programa da Cristina, que foi um momento muito especial para todos. Também fomos ao programa ‘Aqui Mandam as Crianças’, da RTP, em que fomos surpreendidos com um gesto muito bonito: remodelaram o nosso espaço todo. Pintaram-no, fizeram uma cozinha, uma sala de estudos… foi uma emoção muito grande ver o nosso espaço a ganhar vida. Também participámos na novela ‘A Única Mulher’ e no programa ‘Got Talent’. Quero referir que nós nunca pedimos nada quando participamos nestes programas, apenas nos interessa fazer publicidade ao grupo e dar a conhecer o nosso trabalho.

CL – Para além da dança, também desenvolve outras actividades com as crianças?

DF – Sim, o meu objectivo é formar estas crianças para que elas sejam pessoas melhores. Quero incutir-lhes a noção de responsabilidade. Quero que aprendam a ser pessoas com bons valores e digo-lhes muitas vezes que na ‘escola’ onde eles andam agora, eu já andei e que por isso devem seguir os meus conselhos. Se não fosse o Sankofa a maioria destas crianças passava o dia na rua a fazer asneiras. 

Para além das nossas actuações de rua aqui, há um grande convívio, preparamos o almoço juntos, por exemplo. Os miúdos adoram jogar basquetebol. Eu costumava jogar basquete na escola Roque Gameiro e tudo o que aprendi tento transmitir-lhes. Na altura até me chamavam ‘Pelézinha’, porque era sempre eu a encestar. Normalmente vamos até à Mata de Benfica para jogar, mas também temos um cesto e jogamos juntos no nosso espaço. Também costumamos fazer praia, acampamentos, festas… já fomos ao Porto, a Coimbra, a Leiria, entre outras cidades.

Foto: Arquivo

CL – Quantos elementos tem o grupo e de que idades?

DF– As crianças que aqui estão pertencem à quarta geração. Temos 37 crianças no total, mas 10 estão afastadas durante um ano porque chumbaram o ano escolar. Aqui, para dançarem têm de perceber que a escola está em primeiro lugar e que têm de ter boas notas. Quem não passa de ano fica numa espécie de castigo durante um ano. Sou muito rigorosa com isto, mesmo que os pais às vezes não percebam. Se eu lhes pago 20 euros por explicação para terem boas notas, eles têm de retribuir. Quanto à idade, temos crianças e jovens desde os sete anos até perto dos 30, altura em que começam a trabalhar e a ter a sua própria casa e família.

CL– Qual o impacto da pandemia nas actividade do Sankofa?

DF– Nunca nos tinha faltado nada até esta quarentena. A Tia Céu, da Solfraterno, é que nos tem ajudado muito, principalmente com a alimentação das crianças. Por vezes, pedimos apoio monetário aos pais, mas nesta altura há pais que não têm a possibilidade de ajudar nem com 2 euros. Mas não é por isso que essas crianças ficam sem comer. Se soubesse o que sei hoje, não teria feito a viagem a Cabo Verde, porque esse dinheiro teria dado para nos sustentarmos vários meses, mas eu queria muito que eles conhecessem a terra dos pais deles. Os miúdos agora também estão a ter aulas por videoconferência e, para tal, têm usado o meu telemóvel e da minha filha. Já conseguimos comprar um tablet e um computador, mas não é suficiente. A Tia Céu vai também enviar-nos dois portáteis. Estamos a passar um momento muito difícil, mas sei que isto nos vai fortalecer.

Foto: Arquivo

CL– Têm recebido algum apoio da parte da Câmara Municipal da Amadora ou da Junta de Freguesia da Falagueira?

DF– Há 14 anos, a Junta cedeu-nos o espaço em que estamos até hoje. Nisso tenho muito a agradecer ao Dr. Manuel Afilhado, que era então o presidente da Junta, e que além disso ainda nos dava 600 euros de três em três meses. A Dra. Ana Venâncio, que é a actual presidente da Junta, também nos tem apoiado muito. Foi ela que me sugeriu que registasse a associação e apoiou-me nesse processo, mas a nível monetário – uma ajuda de que tanto precisamos – não temos tido qualquer apoio. Costumamos participar em espectáculos da Câmara e da Junta e é um prazer enorme servir e representar estas entidades… mesmo não tendo nada em troca.

CL – Projectos para o futuro?

DF– Há poucas semanas, tivemos um momento muito especial. Gravámos um videoclipe com um cantor muito conhecido, mas não posso revelar ainda o nome. Os miúdos ficaram maravilhados de o conhecer. Futuramente, quando tudo isto acalmar, havemos de ir a festivais à Bélgica, depois à Alemanha e por fim a Londres.

Foto: Arquivo

CL – Como descreve estes 39 anos do Sankofa?

DF– Estou muito orgulhosa do caminho que fizemos até aqui. Consegui formar boas pessoas com um papel importante na sociedade, como é o caso da Carmen, que é agora advogada, e da Marisa Paulo, que é enfermeira. Formei cantores, engenheiros… é um orgulho. Mas ao mesmo tempo sinto uma mágoa muito grande porque houve alguns jovens que se foram perdendo e durante muito tempo senti que a culpa era minha, que eu é que não os tinha conseguido a abraçar a todos. Só recentemente percebi que a culpa não era minha, que eu tentei mostrar -lhes o melhor caminho e eles escolheram o caminho torto da vida. Nesta quarentena, enquanto estive sem as crianças senti-me desamparada, numa solidão enorme. Foi aí que percebi que isto é mesmo a minha vida, que este trabalho voluntário é um trabalho que me preenche e que eu amo incondicionalmente.

Foto: Paulo Rodrigues

Autor: Raquel Luís

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