Serra de Carnaxide pode estar em risco: pressão urbanística aumenta

Partilhada pelos concelhos de Oeiras e da Amadora, a Serra de Carnaxide é uma das poucas zonas verdes da periferia de Lisboa que ainda não sucumbiu à pressão urbanística que tem ditado profundas alterações na paisagem dos arredores da capital. Contudo, isso pode estar a mudar. Há projectos urbanísticos que podem saltar do papel para o terreno e alterar de forma radical a paisagem que agora ainda se avista da mancha verde que domina a serra, circunscrita pelo rio Jamor e pela ribeira de Algés, com cerca de três quilómetros de comprimento por dois de largura.

Preocupado com as ameaças que pairam sobre a serra, nomeadamente o enfraquecimento dos seus solos e a perda de Biodiversidade, Eugénio Sequeira, engenheiro agrónomo, investigador, professor universitário e ex-presidente da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), é uma das vozes que mais tem alertado para a necessidade de preservar este importante espaço verde junto às portas de Lisboa, cuja destruição pode ter importantes implicações na qualidade dos solos e na forma como estes retêm a água e permitem manter os ecossistemas. 

“A Serra de Carnaxide já está meio destruída. Actualmente, esta mancha verde tem cerca de 600 hectares. É o que sobra para além de Monsanto e da Serra de Sintra. O que aconteceu na área de Lisboa e está a acontecer em Carnaxide é o empobrecimento dos solos. Os vertissolos, que eram os solos dominantes, praticamente desapareceram”, alerta o especialista em Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que em 2013 foi agraciado com o prémio Ambientalista do Ano atribuído pela Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza.

Foto: Paulo Rodrigues

“A destruição dos melhores solos do País aumenta o risco de quebra de abastecimento em situações de crise e aumenta o risco de cheias a jusante”, argumenta Eugénio Sequeira realçando que a destruição da vegetação e dos vertissolos crómicos (barros vermelhos de basalto) tem consequências na impermeabilização podendo causar “um caudal de cheia acrescido de mais de 40 metros cúbicos/hora”. “A água infiltrada irá abastecer provavelmente aquíferos a jusante, de grande importância face às alterações climáticas”, diz realçando a importância de estudar estes riscos.

RECURSO NATURAL LIMITADO E PERECÍVEL

O antigo presidente da Liga para a Protecção da Natureza recorda que “o solo é um recurso natural limitado e perecível, renovável num prazo de milhares de anos, portanto não renovável na escala da civilização humana, e que é a base de toda a vida terrestre.” “Nos ecossistemas naturais tem como funções: a sustentação física, fornecimento de nutrientes e água às plantas; substrato e habitat para os organismos do solo; sistema de transformação, filtro e tampão, regularizador do ciclo hidrológico, condicionador da quantidade e qualidade da água; balanço do calor e regularizador do clima”, assinala.

Eugénio Sequeira lembra que a Serra de Carnaxide “era em grande parte Reserva Ecológica Nacional (REN), com zonas de máxima infiltração, como zonas de bons solos agrícolas, como zonas de REN – Zonas Declivosas, áreas de risco de erosão, cabeceiras das linhas de água, zonas de infiltração máxima”. Para o especialista em solos e ambiente, “parece que a proposta de urbanização em curso não considera nenhuma destas características de interesse ambiental”, podendo levar à “perda irreversível da Diversidade Biológica” existente na serra.

Foto: Paulo Rodrigues

O ambientalista destaca o que estipula o Decreto-Lei 19/93 emanado do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, mais concretamente a alínea 1 do Artigo 1.º: “A conservação da Natureza, a protecção dos espaços naturais e das paisagens, a preservação das espécies da fauna e da flora e dos seus habitats naturais, a manutenção dos equilíbrios ecológicos e a protecção dos recursos naturais contra todas as formas de degradação constituem objectivos de interesse público, a prosseguir mediante a implementação e regulamentação de um sistema nacional de áreas protegidas”.

RISCO ELEVADO DE DEGRADAÇÃO DOS SOLOS

Nas palavras de Eugénio Sequeira, “não existirá Economia Verde sem a necessária salvaguarda da qualidade dos solos”, uma acção determinante que deve ser encarada “como uma obrigação, uma oportunidade e um desafio para todos, em especial para as empresas que, pelas suas decisões, afectam a capacidade de o solo cumprir as suas funções”. O antigo presidente da LPN destaca ainda o facto de Portugal ser “o país europeu com maiores riscos de degradação deste recurso dadas as suas características biofísicas e climáticas”.

Foto: Paulo Rodrigues

“Temos os maiores riscos de degradação dos solos e os menores recursos em ‘terra’ da Europa do Sul”, atesta o professor universitário concluindo que Portugal “é um dos países europeus mais vulneráveis às alterações climáticas e à consequência das secas e dos fogos, que serão cada vez mais frequentes e graves” no futuro. “Somos também dos países europeus que têm o recurso em ‘terra’ de pior qualidade, com apenas 5 por cento do território ocupado por solos muito férteis, 45 por cento com solos utilizáveis e com o restante do território referenciado com solos não produtivos e degradados”.

“Num país como Portugal, com apenas 5 por cento de solos competitivos urge a sua salvaguarda a todo o custo, bem como a defesa dos melhores e mais profundos de entre os solos moderadamente férteis, tal como é referido nos critérios definidos na comunicação da Comissão Europeia ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico Social da União Europeia, para o estabelecimento de uma Estratégica Europeia”, que permita travar o processo de degradação de um recurso escasso e de vital importância para a qualidade de vida dos cidadãos.

Na opinião de Eugénio Sequeira, a protecção dos solos “ainda é mais urgente num País com um processo de degradação acentuado do recurso solo, quer por erosão acelerada, quer por perda de matéria orgânica, salinização, e sodização, com um processo acelerado de desertificação resultante de más tecnologias utilizadas ao longo de várias décadas de abusos contra o Ambiente”. Daí a importância de implementar a futura directiva do Parlamento Europeu e do Concelho, que propõe um ‘Quadro para a Protecção do Solo’.

Foto: Paulo Rodrigues

RESPONSABILIDADE GLOBAL A TODOS OS NÍVEIS

Devido à acção do Homem, através de práticas muitas vezes abusivas, tem ocorrido uma significativa diminuição da qualidade dos solos, nomeadamente com o recurso à agricultura extensiva e intensiva, criação de campos de golfe, pavimentação, construção de habitação, indústria e barragens, entre outros, “resultantes de opções políticas que nem sempre resultam em benefícios para as populações, podendo mesmo degradar total ou parcialmente o Meio Ambiente”. Daí que, defende Eugénio Sequeira, “a protecção dos solos deva ser assumida como uma responsabilidade de todos”.

“Uma responsabilidade global que deve ser assumida a todos os níveis, desde o cidadão individual até às organizações sociais, incluindo as empresas e a Administração Pública, desde as autarquias até aos governos nacionais e à União Europeia, para envolver também os organismos internacionais, em especial as Nações Unidas”, comenta o especialista em Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, salientando que dessa intervenção “depende a quantidade e qualidade da água de superfície e dos aquíferos e, em consequência disso, a saúde humana”.

Eugénio Sequeira destaca que nas zonas ‘ditas rurais’, o combate à desertificação e a aplicação de medidas de protecção dos recursos passam pela “adopção de boas práticas agrícolas, boas práticas florestais, boas práticas agro-silvo-pastoris e da implementação efectiva do combate à desertificação, do evitar fogos e pelo uso de tecnologias e usos que reduzam a erosão e aumentem o sumidouro de carbono”, mas passam também, realça, por “evitar que os bons solos sejam destruídos”. Nesse sentido, “a selagem dos solos é um risco de degradação total e irreversível”.

Foto: Paulo Rodrigues

CONSTRUÇÃO AMEAÇA ZONAS VERDES 

“Portugal é o país europeu com mais área construída por habitante e com a maior percentagem de solo impermeabilizado, tudo concentrado em especial na zona litoral e nos melhores solos”, alerta o ex-presidente da LPN, recordando que entre 1990 e 2000 as zonas ‘ditas urbanas’ aumentaram cerca de 50 por cento, sendo que na década seguinte (2000 a 2010) esse aumento ocorreu ao ritmo de uma cidade de Coimbra por ano. “Nesta destruição, da responsabilidade da população em geral, ressalta a responsabilidade empresarial e a responsabilidade social e ambiental das empresas, na escolha dos locais para o desenvolvimento das suas actividades”, sublinha.

Eugénio Sequeira refere que Portugal “é também um dos países que tem menores áreas verdes urbanas, que menos tem acautelado os solos de qualidade dentro do espaço urbano”. “Para que servem todos os programas de Ordenamento do Território se a situação continuar como até aqui, e a especulação imobiliária e a injustiça na distribuição das mais e menos-valias continuar à solta neste País?”, questiona o professor universitário, que se mostra bastante crítico relativamente à eventual redução da mancha verde da Serra de Carnaxide.

Foto: Paulo Rodrigues

“Durante a execução do PROT-AML (Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa) na Estrutura Ecológica Metropolitana (REM), que seria um sistema de áreas e ligações que integrassem, envolvendo e atravessando as unidades territoriais e o sistema urbano no seu conjunto, era claramente visível o Parque de Monsanto e a sua ligação à serra de Carnaxide.  Igualmente no Plano Director Municipal (PDM) de Oeiras aparece a Estrutura Ecológica Municipal, na qual estava incluída a Serra de Carnaxide”, lembra o ambientalista, desejando que essas linhas de orientação possam manter-se para além da sua existência no papel.

“Compete em especial aos órgãos políticos máximos deste País acabar com esta situação de especulação imobiliária e não cabe às autarquias velarem pelo cumprimento da Constituição, do espírito da Lei e da salvaguarda efectiva do Património Natural”, argumenta Eugénio Sequeira. “Será mais importante para a sustentabilidade das empresas portuguesas garantir a auto-suficiência energética com energias alternativas (por exemplo hídricas) e/ou continuar com a política das obras públicas e da construção de habitação inútil ou garantir a salvaguarda dos solos de melhor qualidade de cada região?”, questiona o professor universitário.

Autor: Luís Curado

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.