Pescadores de Cascais preocupados e descontentes

Os pescadores de Cascais andam preocupados. E descontentes. Planos que a Câmara Municipal de Cascais tem vindo a avaliar podem resultar em implicações significativas para a sua actividade. Chegaram a equacionar-se alterações no funcionamento da lota e a transferência dos aprestos de pesca para fora da Baía de Cascais, que tem funcionado até agora como Porto de Abrigo. Fala-se também numa eventual interdição das embarcações à Praia dos… Pescadores, também conhecida como Praia do Peixe e Praia da Ribeira. 

Todas estas possibilidades que estão a ser ponderadas desagradam, e muito, aos homens do mar, que recordam que a vila sempre foi uma terra de pescadores e que até o rei D. Carlos, cuja estátua vigia a baía, era um monarca apaixonado pelo mar. Os pescadores queixam-se de ter sido abandonados pelas autoridades e reclamam de enfrentar uma significativa falta de condições para o exercício da actividade piscatória. Temem também, em consequência, que venha a ocorrer um enfraquecimento do carácter piscatório da vila.

Ao longo dos últimos meses, o descontentamento dos pescadores de Cascais tem vindo a subir de tom. Um descontentamento que tem sido bem audível, nomeadamente durante uma Assembleia Municipal, onde deram viva voz aos seus protestos. Acusam a autarquia cascalense de falta de diálogo e prometem agir caso as suas reivindicações não sejam tidas em consideração no momento de avançar com decisões que eventualmente venham a ser tomadas no futuro pelo município.

O jornal O Correio da Linha contactou a Associação de Armadores e Pescadores de Cascais, através do Presidente da Direcção da instituição, Manuel Caçoa Lorigo, para ficar a conhecer melhor as opiniões, críticas e receios que tanto têm preocupado os profissionais da pesca. Num momento particularmente difícil para o sector, os pescadores garantem não desistir de lutar pelos seus direitos e por melhores condições de trabalho que possam facilitar uma vida já de si dura num dia-a-dia conquistado com dificuldade.

“CÂMARA POUCO OU NADA TEM FEITO”

Jornal O Correio da Linha (CL) – Qual o motivo do descontentamento dos pescadores em Cascais?

Manuel Caçoa Lorigo (MCL) –  O descontentamento assenta fundamentalmente do pouco ou nenhum apoio que a Câmara Municipal de Cascais tem dado aos pescadores, impondo nomeadamente limitações de toda ordem, não execução de obras fundamentais e a tomada de medidas que possam advir de um dia a Praia do Peixe vir a ser concessionada, que implicaria uma deslocação de 300 metros para fora de zona das amarrações das embarcações.

CL – Qual a resposta da autarquia para o descontentamento dos pescadores? Tem ocorrido algum tipo de diálogo?

MCL – A Câmara pouco ou nada tem feito, mandamos e-mails dos vários problemas emergentes e não obtemos respostas nenhumas.

CL – O que pensam das transformações operadas na lota? Há quem fale em transformar o edifício numa zona de restauração…

MCL – Quanto a esta matéria, assinamos um protocolo em que a lota vai continuar, mas em menor escala, podendo vir a ser de compra de pescado. Justifica-se esta medida uma vez que os compradores, devido às obras, não têm parqueamento para estaccionar as suas viaturas para a compra do pescado, por isso vão a Sesimbra, Costa da Caparica e Peniche.

CL – A possibilidade de a lota poder sair de Cascais que implicações traz para os pescadores?

MCL – Embora a lota esteja situada ainda em Cascais, e com este protocolo existente para melhoramento, a lota continua a funcionar em outras zonas que não Cascais, aqui apenas se vendem as espécies mais miúdas. Importa referir que o pescado chega a terra, pesa-se na balança e depois é emitida uma guia de transporte para ser transportado e vendido em outras lotas referidas anteriormente.

“CASCAIS CONTINUARÁ A SER UMA TERRA DE PESCADORES”

CL – Cascais ainda é uma terra de pescadores?

MCL – Cascais é e continuará a ser uma terra de reis e pescadores, tanto mais que o Rei D. Carlos assim o definia.

CL – Como vê o futuro dos pescadores em Cascais?

MCL – Apesar das dificuldades que o sector atravessa, eu vejo um futuro risonho. Para tanto, para os pescadores, há que lutar para que seja alterado todo o sistema actualmente em vigor.

CL – Os pescadores ainda podem atracar na Baía de Cascais? Com que restrições?

MCL – Sim, nomeadamente no Cais estacado, mas só na maré cheia, tirando isso, como Cascais não tem cais de atracagem, existe um fundeadouro das embarcações na baía.

CL – Como encaram a hipótese de a Praia dos Pescadores poder deixar de funcionar como um Porto de Abrigo?

MCL – Existe um decreto real à época do rei D. Carlos, em que o monarca veio dialogar com os pescadores para ceder, só na época balnear, a praia para o pessoal da corte poder tomar banho. No fim da época, a praia era de novo ocupada pelas embarcações. Tentem tudo por onde quiserem, mas jamais conseguirão levar a cabo os seus interesses.

CL – Existe alguma possibilidade de poderem utilizar a Marina de Cascais para acostarem as embarcações? 

MCL – Já existem condições, em caso de intempérie, de as embarcações poderem acostar no cais da marina, contudo, cessando o mau tempo, têm de sair até às 15h00 do dia seguinte. No tempo em que eu fui deputado municipal, uma das garantias, aquando a concessão da marina, era de fazer um porto de abrigo para os pescadores. Isso nunca foi feito e sempre andamos assim, de empurrão em empurrão, ao sabor das marés.

CL – Como encaram a possibilidade de terem de alterar o local onde armazenam e guardam os apetrechos piscatórios junto à muralha?

MCL – De forma nenhuma encaramos a possibilidade de haver alterações, a menos que a Câmara Municipal de Cascais se disponha a transportar os apetrechos de e para o local de trabalho, desde que para isso seja feito um aviso prévio. Só assim poderemos encarar essa possibilidade remota.

“ESTAREMOS DISPONÍVEIS PARA ENCETAR FORMAS DE LUTA”

CL – O Turismo e os Pescadores são incompatíveis?

MCL – Não, o Turismo nunca foi incompatível com a convivência com os pescadores, bem antes pelo contrário, em tempos em que a lota funcionava em pleno, víamos no andar de cima centenas de turistas apreciando e fotografando a venda de pescado. Além disso, muitas das fotos dos turistas são alusivas ao mar e aos pescadores. Importa salientar que defendemos o Turismo, como factor económico, contudo que não se tomem medidas para prejudicar os interesses ancestrais dos pescadores, que têm mais de três séculos.

CL – Que medidas ponderam os pescadores tomar no caso de as suas reivindicações não serem atendidas?

MCL – Os pescadores sempre estiveram dispostos para o diálogo, tendo em vista o contento das partes. Contudo, qualquer medida unilateral que alguém queira tomar, na altura própria estaremos disponíveis para encetar formas de luta em que ninguém fique prejudicado.

CL – Quantos pescadores existem actualmente em Cascais?

MCL –  Existem cerca de 300 pescadores, tanto a montante como a jusante. Os que fazem aprestos, os pescadores e o pessoal que vive da pesca.

CL – Qual a maior dificuldade que os pescadores enfrentam actualmente?

MCL – As dificuldades são várias, relatá-las seria fastidioso e demorado. Mas enquanto não existir uma política de pescas nós seremos alvo das dificuldades que o governo e o poder local vão implementando.

CL – O que gostariam que fosse feito em Cascais a favor dos pescadores?

MCL – Tudo, criar condições aos vendedores, que outrora existiram, nomeadamente a criação de um parque de estacionamento para oito ou nove veículos, para eles poderem comprar o pescado em lota. A criação de um porto de abrigo para as embarcações no caso de intempérie. A criação de um subsídio, para os pescadores para quando, no caso de intempérie, não possam sair à faina no mar. Importa referir aqui que estas medidas são uma síntese do muito que haveria para dizer…

Autor: Luís Curado

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